Direita

BBC Brasil visita Olavo de Carvalho e traça perfil do ‘guru’ da direita

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Crítico do comunismo, de Gramsci e do PT, Olavo de Carvalho também dispara contra representantes da direita. O escritor conta que é invejado por Azevedo (Veja) e Constantino (ex-Veja) e chama os meninos do MBL de 'um bando de palhaços'. Ele também falou da amizade com José Dirceu: "éramos muito, muito amigos"

Olavo de Carvalho (reprodução)

Quando se mudou há alguns meses para que sua casa fosse reformada, o escritor e filósofo Olavo de Carvalho fez questão de levar toda a sua coleção de armas para a residência temporária, no sul do Estado da Virgínia (EUA).

Sobre a cama onde dorme, afixou uma espingarda Remington calibre 12. No cômodo vizinho, ao lado de uma caixa com brinquedos, espalhou mais de 30 rifles de caça. Em frente à mesa onde trabalha, pendurou pistolas e revólveres.

É dali que Carvalho faz as transmissões diárias de seu curso de filosofia, escreve para cerca de 500 mil seguidores nas redes sociais e trava os embates que o tornaram uma das figuras mais conhecidas e controversas da corrente que vem sendo chamada de nova direita brasileira – grupo ao qual, paradoxalmente, diz não pertencer.

Eu quis que uma direita existisse, o que não quer dizer que eu pertença a ela. Fui o parteiro dela, mas o parteiro não nasce com o bebê”, afirma. “Estou contra o comunismo e quero que o Brasil tenha uma democracia representativa efetiva”, diz.

Nascido em Campinas (SP) há 69 anos, professor de filosofia sem jamais ter concluído um curso universitário e adepto da teoria de que a “a entidade chamada Inquisição é uma invenção ficcional de protestantes”, Carvalho acumula desafetos com a mesma intensidade com que é defendido por seus admiradores.

O filósofo recebeu a BBC Brasil na casa modesta de dois andares onde está morando num bairro arborizado de Petersburg, cidade histórica com 30 mil habitantes. Crítico feroz do PT, ele reagiu à queda de Dilma Rousseff com ceticismo. No Facebook, escreveu que o impeachment não passou de uma “manobra para a salvação da classe política”.

Elogia Michel Temer ao mesmo tempo em que diz considerar seu governo ilegítimo. “Sem dúvida, é melhor que a Dilma – pelo menos sabe falar português, é um homem de uma certa cultura – e não se pode negar que na área econômica está fazendo aguma coisa que tem de fazer mesmo.

Mas diz que, vice na chapa de Dilma, o presidente “não tem rabo preso, ele é um rabo preso”, e que a dupla se reelegeu num pleito com “transparência nenhuma”. “O governo é 100% ilegítimo. Não estou dizendo que há ou houve fraude eleitoral, o sistema que montaram já era uma fraude.”

Expulso o PT do governo, Carvalho diz que a direita brasileira começa a se organizar nas ruas. Perguntado a que se deve a transformação, responde em francês: “C’est moi” (Sou eu).

Segundo o escritor, foram seus livros que encorajaram outros conservadores a sair do armário. Mas ele diz que o país ainda não tem uma “representação institucional da direita“, como jornais diários, universidades ou partidos que defendam o liberalismo econômico e valores tradicionais.

“Você tem de um lado 20 partidos de esquerda e do outro um ou outro cara que se diz de direita, mas nem sabe direito o que é isso“, afirma, entre goles de café e cigarro entre os dedos.

Desafetos

As opiniões de Carvalho sobre o impeachment agravaram um racha entre o escritor e outras vozes influentes da direita com quem ele manteve boas relações no passado, como o colunista da revista Veja Reinaldo Azevedo e o economista Rodrigo Constantino.

Para Carvalho, Azevedo e outros desafetos almejam ser representantes da direita e têm ciúmes de seu pioneirismo. “O pessoal comunista nunca mentiu a meu respeito tanto quanto essa turma da direita emergente”, diz.

“Eu não quero ser representante de direita nenhuma, só fiz meu serviço que era abrir o espaço para eles poderem falar. Naturalmente, quando você destampa, aparecem junto com as flores as cobras, aranhas, lagartos, lacraia, toda a porcaria vem junto.”

Carvalho também critica o Movimento Brasil Livre (MBL), que após militar pela queda de Dilma teve alguns de seus membros se lançando na política institucional. De acordo com o site do MBL, nove de seus integrantes se elegeram por cinco partidos diferentes (um deputado federal e oito vereadores).

“Os comunistas sempre souberam disso. O pessoal da direita chegou agora, leu três artigos do Olavo de Carvalho, já acha que sabe tudo e quer ser senador, presidente da República. Um bando de palhaços, evidentemente.”

José Dirceu

Os mergulhos no esoterismo e na astrologia afastaram Carvalho do jornalismo, onde começou a carreira. Um ano após o golpe militar de 1964, ele escreveu para o jornal do centro acadêmico da Faculdade de Direito da USP, que se opunha à ditadura.

Em retribuição pelo trabalho, diz que foi convidado a dividir um apartamento com Rui Falcão, então aluno de direito e hoje presidente nacional do PT. Ele conta que os dois sempre recebiam visitas do ex-ministro José Dirceu, que cursava direito na PUC-SP. “Éramos muito, muito amigos na época.”

Quando Dirceu foi preso em 2013, Carvalho diz que já não mantinham laços. “Mas uma coisa eu sabia: ele não ia entregar ninguém, porque não é um homem de geleia como esses aí, é um homem de ferro”, afirma.

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Em 2005, dois meses após se mudar para os EUA e perder a coluna que tinha no jornal O Globo, o escritor passou a dar cursos de filosofia pela internet. Desde então, diz que 12 mil pessoas passaram por suas aulas.

O filósofo cita entre os alunos que têm se destacado o colunista da Veja Felipe Moura Brasil, que organizou do último livro de Carvalho, O mínimo que você precisa para não ser um idiota, coletânea de artigos publicada pela Record em 2013.

Carlos Andreazza, editor de não-ficção da Record, diz que o livro se aproxima dos 320 mil exemplares. Segundo ele, Carvalho “está entre os pouquíssimos autores brasileiros que poderiam viver de direitos autorias”. Andreazza diz que o filósofo se revelou “um dos autores mais cavalheiros, cordiais, agradáveis e generosos da minha carreira de editor”.

Amigos do escritor dizem que Carvalho não deixa que os embates virtuais contaminem sua vida pessoal. Segundo o cineasta Josias Teófilo, o filósofo está sempre bem humorado e leva um “estilo de vida completamente original”, sem ter hora para dormir ou acordar.

Um dia a filha dele disse: ‘Vamos ter que botar rotina nessa casa, quando der meia noite todo mundo vai para a cama’. Nesse mesmo dia ele ficou contando histórias até as quatro da manhã.”

Teófilo, que se mudou para Petersburg e está morando a poucas quadras de Carvalho, diz ter arrecadado R$ 300 mil por meio de doações para gravar o documentário Jardim das Aflições (mesmo título de um livro do filósofo), em que entrevista o escritor e acompanha sua rotina. Ele afirma que o documentário foi recusado pelos principais festivais brasileiros e que estuda meios de lançá-lo em 2017.

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Carvalho afirma que um dos motivos para se mudar para a Virgínia foi a hospitalidade de seus habitantes. “Os rednecks são o melhor povo do mundo”, ele diz, referindo-se aos americanos brancos de zonas rurais, numerosos na vizinhança de sua casa em Richmond. Em Petersburg, onde está temporariamente, negros são 80% da população.
Outro motivo para a mudança foi o cenário no Brasil após a chegada do PT à Presidência. “Pensei: ‘Isto aqui está tão louco, tão louco, que se eu continuar aqui vou ficar louco também.”

Carvalho recebe visitas frequentes dos filhos e dos netos – que calcula em “uns 15 ou mais” – e vive rodeado de alunos e amigos brasileiros, entre as quais a escritora Stella Caymmi, o crítico literário Rodrigo Gurgel e o jornalista Edson Camargo.

Quando não está nas redes sociais, vê filmes, relê livros e ouve música. Entre seus artistas preferidos cita Heitor Villa-Lobos, Luiz Gonzaga e o americano Waylon Jennings, cantor de música country. Não gosta de samba (“uma criação do governo Getúlio Vargas, que decidiu fazer da cultura carioca um emblema da cultura brasileira”) nem de jazz (“coisa de intelectual”).

No tempo livre, gosta ainda de testar as armas da coleção. Ele diz manter apenas uma arma para defesa pessoal (a espingarda que guarda sobre a cama) e se interessar principalmente por equipamentos de caça.

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Ao decidir dar seus cursos virtuais, Carvalho diz que também buscava reagir à “morte da alta cultura brasileira” e formar uma nova elite intelectual no país.

Acredito que sou o único sujeito que está fazendo a ponte entre a última grande geração de escritores brasileiros – que eram Herberto Sales, Josué Montello, Lêdo Ivo – e a geração seguinte”, diz.

Se dos meus 12 mil alunos aparecerem cem capacitados para produzir bons livros, bons espetáculos de teatro, renovamos a cultura brasileira, está feito o serviço.”

Carvalho afirma que sua avó foi profética ao batizá-lo de Olavo, que, segundo ele, quer dizer “sobrevivente” em norueguês. “Morreu todo mundo e sobrou eu.”

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João Fellet, BBC

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