Se alguns professores discordam, por que não se movimentam para o diálogo? Por que não assumem uma postura clara e construtiva? Porque não comparecem às ocupações para ensinar e aprender?
Denis Castilho*, Pragmatismo Político
O momento atual tem evidenciado duas questões emblemáticas. De um lado o desmonte que se anuncia por meio da PEC 241/55, dos projetos de lei PLP 257 e PL 867, e da MP 746. De outro, o modo como nos organizamos frente a isso. A autocrítica, no entanto, me leva a ressaltar um terceiro elemento: de que a maioria de nós, professores, temos mais retórica do que ação. É por isso que não posso deixar de destacar algumas questões que dizem respeito ao terceiro ponto.
Há um movimento em escala nacional que deveria ser protagonizado por muitos grupos sociais, especialmente por nós, aqueles que participam cotidianamente de setores que serão profundamente afetados pela absurda articulação daqueles que não têm compromisso com as pessoas deste país. Mas não somos nós os protagonistas. Pelo contrário: além de desqualificarmos as mobilizações estudantis, o modo como agimos só tem contribuído com a desarticulação e enfraquecimento de uma efetiva mobilização unificada.
“Onde estão os professores? Por que não ocupam suas escolas”, pergunta José Pacheco. Sim José, onde estamos? Onde fomos parar? Qual o sentido de nossos discursos e indignações com os problemas que nos afetam, se nossas ações não ultrapassam os limites de nosso conforto e vaidade? Será que temos as condições reais de lutar por direitos já conquistados no conforto de nosso silêncio? Porque não nos posicionamos? Porque calamos? Desculpe-me não ressaltar a boa vontade de alguns poucos (quase extintos) professores que apoiam e tentam construir canais de diálogo com os estudantes. Mas como a imensa maioria caminha em outra direção, continuarei na linha “infeliz” da primeira pessoa do plural.
Os estudantes, apesar de qualquer avaliação daqueles que se consideram doutores da boa teoria política, estão nos dando uma lição. Mesmo assim, sequer temos a humildade de aceitá-la ou de entender o porquê não podemos aceitá-la. Sim, muitos não podem admitir uma lição vinda de estudantes. Outros não aceitam o protagonismo que não seja de sua categoria e tantos se amarram à representatividade dos sindicatos e partidos políticos. Quanta prestação de conta em momento que demanda enfrentamento. Quanta hipocrisia.
Pode ser incoerente de nossa parte apenas teorizarmos, como costumamos fazer no conforto de nossos gabinetes, o sentido das mobilizações estudantis atuais. Mas apesar de sua complexidade, não é demais destacar que junto a elas, há o vácuo de mobilizações que deveriam estar acontecendo, incluindo a nossa. A experiência dos estudantes demonstra que a ocupação, dentro de certos limites, forma, politiza, responsabiliza. A relação entre ocupantes de diferentes ideologias força o senso de alteridade. A lida com os espaços públicos alimenta o sentido de pertencimento e, consequentemente, de cuidado. Por mais que haja oportunismos e dissensos por parte de alguns estudantes, há o sacrifício por parte de outros. Muitos perdem noites de sono. Alguns adoecem e outros entram em estado de pânico. Mas os problemas e dificuldades não são maiores que o nível de organização e de busca por respostas.
Nos momentos em que prestei meu apoio aos estudantes que ocuparam o Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás, pude verificar isso de perto. Estiveram sempre abertos ao diálogo e ao aprendizado. Qualquer posição de senso ou contrassenso foi muito bem assimilada e pautada com crítica e diálogo. O nível de discussão das questões sociais e políticas também impressionam pelo amadurecimento e comprometimento com a conjuntura atual do país. Engana-se, portanto, quem acredita que esses estudantes foram orquestrados por professores ou por partidos políticos. Pelo contrário. É por isso que a insatisfação com as mentiras da mídia e dos sindicatos não é maior que o aprendizado obtido junto aos estudantes. Eles, com seus equívocos ou acertos, estão à procura de sentido, de aprendizado, de mundo. Estão tentando construir algo que não oferecemos e que ainda desqualificamos por meio de nosso autoritarismo (pseudo) intelectual. Sejamos humildes: deveríamos agradecê-los pelo que fazem. Se alguns professores discordam, por que não se movimentam para o diálogo? Por que não assumem uma postura clara e construtiva? Porque não comparecem às ocupações para ensinar e aprender? Mais uma vez José, onde estão os professores?
Enquanto muitos se omitem às questões sociais e políticas e ainda postam mensagens com descaso, indiferença e até criminalização, outros agem, resistem, se organizam e lutam. Enquanto a maioria se estaciona no conforto de sua casa, alguns passam noites de tensões em nome de conquistas coletivas. É destes últimos que vem a lição. São deles que a Universidade precisa. Mesmo diante de qualquer análise que desqualifique aqueles que agem, deveríamos ter mais estima pelos estudantes que se mobilizam e que tentam construir um sentido de luta e de coletividade.
Mas nossas lentes não possuem a nitidez ideal. Elas são ofuscadas por interesses de classe e por vaidade. Os privilégios mascaram o que de fato acontece ao nosso arredor e a consciência que resulta disso se reduz ao conservadorismo. Disso resulta uma lição: o enfrentamento deve pautar uma luta contra a tendência conservadora de nossa própria categoria. Com essas palavras, no entanto, não quero ensinar o modo como os estudantes devem lutar. Pelo contrário. Venho apenas aplaudir os seus gestos, expressar minha insatisfação com a postura de minha categoria (e digo isso em uma escala nacional), e concordar com Henry Giroux quando ele diz que “os estudantes evoluem, apesar de nós, professores”.
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*Denis Castilho é geógrafo, professor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás e colaborou para Pragmatismo Político.
Referência:
PACHECO, José. Onde estão os professores? Por que não ocupam as escolas? Disponível em: http://cartacampinas.com.br/2016/11/xjose-pacheco-onde-estao-os-professores-por-que-nao-ocupam-as-escolas/ (acesso em 17 nov. 2016).
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