Educação

A PEC 241/55 e o Futuro de uma ilusão brasileira

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Imagem: Pragmatismo Político

Anderson de Carvalho Pereira*, Pragmatismo Político

O mundo urbanizado, consumista e auto-centrado se abre numa senda dilemática que caberia talvez em uma pergunta: o que fazer com o futuro quanto mais procrastinam-se decisões coletivas e mais se tenta negar o passado?

No Brasil, especificamente, esta tentativa recorrente cujo resultado mais recente é um visível mal-estar geral agravado pelo subemprego, pelo desemprego, pela imposição de limites no consumo, pela degradação ambiental e pela falta de rumos e perspectivas para o lazer e o ócio, soma-se a uma crise de ódio de mãos dadas com o amor coletivo que apontam para uma ruptura no pacto civilizatório.

O formato mais recente deste cenário nos remete à discussão do psicanalista Hélio Pellegrino em seu primoroso “Pacto Edípico e Pacto Social” (do livro “Grupo sobre grupo”, editora Rocco). Um pai simbólico materializado em parte pelo Estado brasileiro, de tino perverso e autoritário, não poderia disfarçar por mais muito tempo, em tempos de incerteza e redefinição dos paradigmas de convívio, sua desfaçatez.

Em tempos de imposição de Proposta de Ementa Constitucional (a famigerada PEC 241/55) e de imposição de uma austeridade draconiana aos regimes de aposentadoria e pensões vemos o aprofundamento da ruptura deste pacto remetendo inclusive aos obscuros resquícios da superação muito recente das marcas coloniais de um Estado-nação recém-assegurado da “superação” dos tempos sombrios da escravidão.

Chegamos às implicações paradoxais desta medida: o investimento público em pilares fundamentais da República inferior ao ano anterior corrigido pela inflação (exceto, por exemplo, as “despesas com a realização de eleições pela justiça eleitoral” que não estaria atrelada à variação do IPCA, conforme item III do parágrafo VI), que se supõe em uma economia de mercado sempre deverá ser menor a cada ano, ganha caráter paradoxal. Este efeito paradoxal não é civilizatório.

Isto porque não podemos falar em pacto coletivo sem tocar em uma das categorias que nos torna mais “(des) humanos”: o trabalho. O lugar do trabalhador nesta “promessa” de futuro, de “cortar hoje” para “não sacrificar amanhã” faz parte de uma centelha de totemismo concêntrico à Antigo Testamento ou de uma promessa ilusória de futuro, cuja bola de cristal somente teria se revelado a uma parcela de taumaturgos.

Como somos marcados por processos históricos que desnivelam nossas posições sociais, podemos interpretar esta revelação taumatúrgica como uma falsa promessa de um grupo minoritário de usurpadores deste pacto, de aviltantes representantes do espírito republicano que insiste em nos dar golpes, para impor um padrão de convívio austero, não republicano anti-democrático e violento. O efeito cumulativo é não mexer no stablishment e trazer o arrocho para os que não dispõem de possibilidades para nadar contra maré ou livrar-se pela tábua de salvação do “salve-se quem puder”. Esta tábua é a das leis de mercado e do self made man.

Esta ilusão do futuro nos leva cotidianamente no Brasil atual a uma oscilação entre uma espécie de “cidade sol” à Campanella quando insiste em recobrar a memória a expressão “país do futuro” (cunhada por Stefan Zweig) e nos joga no inferno de Dante. Em textos como “O mal-estar na civilização” e “O futuro de uma ilusão” Freud remete aos universais do pacto civilizatório. É o que nos une por laços sociais o fato de que o sofrimento por conta de questões caras à humanidade nos torna semelhantes, de maneira inalienável.

Neste enquadre cabe perguntar: qual a certeza de que a leitura feita pelos atuais taumaturgos da condução da nau brasilis da política e da economia é certeira diante do futuro? A Constituição lhes garante planejamento, avaliação e execução de leis e regras para garantia do convívio republicano, mas lhes teria garantido a sentença sobre uma espécie de versão tupiniquim do “futuro de uma ilusão”? Como uma minoria de ungidos garantirá o passo certo dado para os próximos vinte, trinta, sabe-se lá quantos anos?

Caímos em outro ponto genuinamente humano, este mais incerto, porque também mais resultante de especulações filosóficas: o tempo. Como sabemos que a Constituição não garante aos representantes do poder legislar, judicializar e executar o tempo, podemos afirmar que nossos representantes não são o Cronos da atualidade.

Vale lembrar que a democracia de inspiração greco-latina resulta justamente, desde a era Péricles e Clístenes, da superação do diálogo direto com os deuses, fazendo valer o predomínio da Lógica e da razão, por mais ilógicas que as atuais decisões tenham se mostrado.

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*Anderson de Carvalho Pereira é professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e colabora para Pragmatismo Político

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