Principal neurocientista do Brasil diz que país está "dando um tiro no pé"
Miguel Nicolelis, um dos maiores neurocientistas da atualidade em todo o mundo e líder das pesquisas com o exoesqueleto, que estão permitindo a surpreendente recuperação de paraplégicos, afirma que o Brasil está dando um tiro no pé coletivamente: "Espero que as pessoas despertem a tempo"
Cida de OIiveira, RBA
O conservadorismo das políticas do governo de Michel Temer (PMDB) que avançam contra os direitos constitucionais com o sinal verde do Congresso, que terça (13) aprovou a Emenda à Constituição que congela por 20 anos investimentos federais em saúde, educação, ciência e tecnologia foi criticado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Em lançamento de seu novo livro Made in Macaíba (Editora Planeta), na noite da segunda-feira (12), ele afirmou que o país está “dando um tiro no pé coletivamente“. “Eu espero, sinceramente, que as pessoas despertem antes que seja tarde. E já é quase tarde“, alertou.
Um dos maiores cientistas da atualidade em todo o mundo, Nicolelis é professor de Neurobiologia e Engenharia Biomédica da Universidade Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos, há mais de 20 anos. Fundador do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmund e Lily Safra. Graças às suas pesquisas com a interface cérebro-máquina, pessoas com paralisia incluídas no projeto Andar de Novo têm conseguido avanços. Dois anos após a demonstração do exoesqueleto na abertura da Copa do Mundo do Brasil, no Itaquerão (estádio do Corinthians, em São Paulo), eles vão recuperando aos poucos os movimentos e a sensibilidade.
Falando para uma plateia que lotou o auditório do Instituto Sedes Sapientiae, no bairro de Perdizes, na capital paulista, ele não poupou ironias e críticas à PEC 55. “Um absurdo lógico e aritmético. Nem precisa ser contador para saber o que significa passar 20 anos sem investir na minha empresa, só pagando juros“, disse, comparando a situação do país a partir da emenda constitucional aprovada no Senado. “O pico de investimento em ciência e tecnologia em 2016 foi de 1,16% do PIB. Esse valor será congelado por 20 anos. E teremos mais de 47% do PIB para pagar juros. Isso ninguém comenta“, disse.
Países avançados como a Suécia, Finlândia e Noruega, conforme destacou, nunca deixaram de investir em setores básicos em uma sociedade moderna.
“O celular, por exemplo, não surgiu por acaso. É fruto de oito décadas de pesquisas, com investimentos estatais dos Estados Unidos a partir da década de 1940, que geraram a ciência da computação. Foram 80 anos investindo mais de 5% do PIB em pesquisa. E empresas como, a Intel, a Apple, não existiriam. É assim que se fazem as descobertas.”
Nicolelis criticou também as intenções do governo de Michel Temer de alterar o marco regulatório que dá à Petrobras exclusividade na operação de exploração do pré-sal previsto no Projeto de Lei 4.567, de José Serra (PSDB), e a venda, no final de julho, de mais da metade do campo de Carcará para a estatal norueguesa Statoil.
“Ouço muita provocação nos Estados Unidos de outros cientistas, que dizem: ‘Vocês estão brincando que vão dar o pré-sal pra gente’. Não é possível“. Pelos seus cálculos, os poços já descobertos pela Petrobras têm, no mínimo, 100 milhões de barris. “A US$ 70 o barril, são US$ 7 trilhões. Quem aqui que achasse um jardinzinho valendo US$ 7 trilhões diria aos americanos: ‘você quer?’. Isso por baixo, porque agora o petróleo tende a subir, passando de US$ 100. Serão US$ 10 trilhões“, disse.
Ele conta que quando foi trabalhar nos Estados Unidos, há mais de 20 anos, não era comum a presença de estudantes por lá e o Brasil era piada. “Me perguntavam em que parte da Califórnia ficava a Universidade de São Paulo que estudei“, conta. “Há pouco tempo, o Ciência sem Fronteiras (programa criado por Dilma Rousseff e praticamente extinto por Temer) mandava estudantes para estudar no exterior. Dei muita aula na Harvard para 200 alunos, 39 deles bolsistas brasileiros do CsF, uma das maiores emoções da minha vida“, afirmou Nicolelis, seguido por um ruidoso “Fora Temer” da plateia.
Apaixonado pelo Brasil, ele diz que só foi conhecer seu próprio país nos Estados Unidos e pelo mundo afora. “Fui descobrir depois de 20 anos de exílio. Depois que senti falta do feijão da minha mãe, da música brasileira, dos meus familiares, do sol, e ao ouvir de outros cientistas que eu venho de um lugar onde as pessoas acreditam no ser humano, onde choram por um time de futebol. Num fórum em Berlim, um ganhador de prêmio Nobel já me disse: ‘Miguel, o Brasil é a minha esperança. É o último lugar do mundo onde há esperança de que a humanidade se salve, lá se sabe qual o verdeiro significado da vida’. Já ouvi isso, ou semelhante a isso, por muitos anos, em muitos lugares, onde eu chegava e dizia ser brasileiro, eu era tratado diferente.”
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Em Made in Macaíba, Nicolelis conta a história da criação do Instituto Nacional de Interfaces Cérebro-Máquina, o projeto Andar de Novo, o programa Cientistas do Futuro e o Instituto de Ensino e Pesquisa Alberto Santos Dumont. Tudo isso no âmbito do Campus do Cérebro do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmund e Lily Safra, no qual pretende usar a ciência de ponta como agente de transformação social.