Negociações do atual governo com os EUA haviam começado em segredo, mas foram descobertas. Agora, Planalto assume que oferecerá aos americanos um acordo
O governo de Michel Temer pretende retomar as negociações com os Estados Unidos, agora sob o comando de Donald Trump, para o lançamento de foguetes norte-americanos do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, informou o jornal O Globo nesta segunda-feira (23/01).
“Vamos tomar a iniciativa de propor a reabertura de negociação em torno de vários acordos e tratados que não se concretizaram”, disse ao jornal carioca o ministro das Relações Exteriores do governo Temer, José Serra, sobre a relação com os EUA de Trump, que tomou posse na última sexta-feira (20/01). “Um deles se refere à base de Alcântara. O assunto foi muito debatido no passado e, agora, vamos tentar uma parceria”, afirmou.
O acordo daria aos norte-americanos acesso à base de lançamento, cobiçada por estar rente à Linha do Equador. Tal localização permite que foguetes lançados dali coloquem satélites em órbita mais rapidamente, o que significa economia de combustível e dinheiro. Em troca da cessão do uso aos EUA, o Brasil poderia utilizar equipamentos fabricados pelos potenciais parceiros, mas sem transferência tecnológica ao setor privado brasileiro.
No fim do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), houve um acordo entre Brasil e EUA nesse sentido. Na ocasião, os EUA impuseram várias proibições ao Brasil, como lançar foguetes próprios da base, firmar cooperação tecnológica espacial com outras nações, apoderar-se de tecnologia norte-americana usada em Alcântara e direcionar para o desenvolvimento de satélites nacionais dinheiro obtido com a base. Além disso, só pessoal norte-americano teria acesso às instalações.
O acordo foi enviado ao Congresso brasileiro para ser aprovado, mas foi cancelado por Lula quando o petista se tornou presidente, em 2003. Roberto Amaral, então ministro de Ciência e Tecnologia, foi um dos que defenderam o arquivamento do acordo. Segundo ele, tratava-se de um “crime de lesa-pátria”.
“O acordo contrariava os interesses nacionais e afetava nossa soberania”, disse Amaral à revista Carta Capital. “Os EUA não queriam nosso programa espacial, isso foi dito por eles à Ucrânia.”
O Brasil tentou retomar as negociações com os Estados Unidos em 2004 e em 2012, mas as tentativas foram suspensas em 2013, com o distanciamento entre os dois governos após a revelação de que o serviço de inteligência dos Estados Unidos estaria espionando o governo brasileiro, inclusive a então presidente, Dilma Rousseff.
Agora, segundo O Globo, o Ministério das Relações Exteriores avalia junto aos ministérios da Defesa e de Ciência e Tecnologia e a Agência Espacial Brasileira os termos que podem ser oferecidos aos norte-americanos para chegar a uma proposta que permita acelerar um acordo definitivo.
Já neste mês, os ministério das Relações Exteriores e da Defesa começaram a elaboração de um novo acordo, após a aprovação do fim da tramitação do antigo texto na Câmara de Deputados em dezembro de 2016. O novo texto deverá ser aprovado pelo Congresso norte-americano e pelos parlamentares brasileiros.
Segundo uma fonte de O Globo próxima ao projeto, “há disposição para buscar soluções alternativas“. “A assunção de novo governo nos EUA poderia representar oportunidade para uma reavaliação do cenário, buscando-se ambiente de flexibilidade de lado a lado, em que novos entendimentos possam prosperar“, disse um técnico do governo ao jornal carioca.
Entretanto, de acordo com a revista Carta Capital, o embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, já conversou sobre o assunto com o subsecretário de Assuntos Políticos do Departamento de Estado norte-americano, Thomas Shannon, ex-embaixador em Brasília. Uma proposta mantida em sigilo foi elaborada e apresentada pelo Itamaraty a autoridades dos EUA e teria sido rejeitada por flexibilizar as proibições impostas pelos EUA ao Brasil no acordo de 2002.
Parceria com Ucrânia
Em 2003, foi assinado com a Ucrânia um acordo para a exploração da base de Alcântara. Juntos, os dois governos gastaram cerca de R$ 1 bilhão no projeto do lançador de satélites Cyclone-4, considerado prioritário pelo governo brasileiro após o incêndio em agosto de 2003 que causou a morte de 21 técnicos e engenheiros que trabalhavam no lançamento do VLS (Veículo Lançador de Satélites).
O foguete em parceria com a Ucrânia era realizado através da constituição de uma empresa conjunta, a ACS (Alcântara Cyclone Space), cuja missão seria o desenvolvimento e a exploração da base mediante prestação de serviços de lançamentos espaciais tanto para o Brasil e Ucrânia como para outros países ou para clientes privados.
Os governos de Brasil e Ucrânia negociaram um acordo para reforçar a parceria em julho de 2013, mas atrasos e conflitos locais – o local escolhido para a base fica em território quilombola –, além da política de contenção de gastos, levaram ao cancelamento unilateral do acordo pelo Brasil em 2015. Segundo O Globo, a Ucrânia já ameaçou exigir ressarcimento ao governo brasileiro pelos prejuízos com o fim da parceria, mas nada foi formalizado.
Um telegrama escrito em 2009 pelo então embaixador dos EUA em Brasília, Clifford Sobel, e divulgado pelo WikiLeaks relata uma conversa tida por ele com o então representante ucraniano na cidade e mostra a desaprovação norte-americana ao entendimento Ucrânia-Brasil. Os EUA, segundo o texto, não queriam que a parceria “resultasse em transferência de tecnologia de foguetes para o Brasil“.
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