“Pelo amor de Deus, me tira daqui, não aguento mais!”. Testemunhas relatam desespero de mulher em luta pela vida dentro do avião muito tempo depois da queda e falam da apatia e despreparo do resgate
As duas mulheres que estavam no avião que caiu com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki e o empresário Carlos Alberto Fernandes Figueiras eram a pedagoga Maria Hilda Panas, 55 anos, e sua filha, Maíra Panas, 23.
Em texto publicado em seu blog, o jornalista André Barcinski, que estava a passeio em Paraty, transcreve diálogos que teve com testemunhas da tragédia que matou cinco pessoas.
O mais estarrecedor de todo o relato é que, tanto barqueiros, pescadores locais e até um oficial garantem que uma das vítimas esteve durante muito tempo viva, pedindo socorro. Era, provavelmente, a jovem Maíra Panas.
“Ela tava viva bem depois do acidente […] Dava pra ver a mulher pedindo socorro dentro do avião”, disse um pescador ao jornalista. Depoimento que foi confirmado por um oficial: “Ficou pelo menos quarenta minutos com vida no avião”.
Leia abaixo os principais trechos do texto de André Barcinski:
Os bastidores do acidente em Paraty
Fui até o local [do acidente] em um pequeno barco de pesca.
Dava para ver parte da fuselagem do avião para fora da água, suspensa por grandes tanques de plástico.
O clima era tenso. Tentei falar com dois ou três oficiais, mas todos disseram que não podiam comentar nada. Ninguém confirmava o número de mortos.
Sem me identificar como jornalista, parei meu barco junto a dois barquinhos de pescadores, ancorado ao lado do barco verde.
[…]
Logo depois chegou um barco da Polícia Militar e parou junto a nós. Certamente sem imaginar que eu era jornalista, os ocupantes passaram a conversar sobre o acidente.
Entrevistei um pescador de 23 anos chamado Wallace. Ele contou que, cerca de duas horas depois do acidente, dois barcos de pesca chegaram a içar metade do avião para fora da água. O pescador tinha provas: um vídeo feito com o celular.
Wallace contou um detalhe terrível: um dos passageiros, uma mulher, estaria viva quando o socorro chegou. “Ela tava viva bem depois do acidente”, disse.
Achei a história pouco provável, até que ouvi um oficial dizendo para outro: “Dava pra ver a mulher pedindo socorro dentro do avião!”. Perguntei ao oficial quanto tempo depois do acidente isso teria acontecido, e ele respondeu: “Pelo menos quarenta minutos”.
[…]
Nesta sexta-feira bem cedo, fui para o cais de Paraty tentar descobrir algum barqueiro que tivesse visto o acidente. Não foi difícil.
Falei com Célio de Araújo, 50, que disse ter presenciado tudo. Segundo ele, o avião teria soltado uma fumaça branca da asa esquerda antes de perder o controle, fazer uma acentuada curva para a direita, e cair no mar.
Mais impressionante foi o relato de Ademilson de Alcantara Mariano, 34, conhecido por Mino. Ele estava com um grupo de 20 turistas nas proximidades do local, quando recebeu um telefonema do cunhado, também barqueiro, avisando sobre o acidente. Mino contou o ocorrido aos turistas, que concordaram em ir ao local ajudar no que pudessem.
Segundo Mino, eles chegaram à Ilha Rasa por volta de 14h, dez minutos depois do acidente. Junto com eles chegou uma lancha da Capitania dos Portos, mas não havia mergulhadores. Os homens da Capitania se limitaram a recolher os pedaços do avião que boiavam no mar, incluindo, segundo Mino, uma roda.
Ainda segundo Mino, barcos dos Bombeiros e da Defesa Civil chegaram ao local entre 14h25 e 14h30, ou seja, 35 a 40 minutos depois do acidente.
Ninguém tinha dúvida de que todos os passageiros do avião estavam mortos: “O avião parecia uma folha de papel, todo rasgado e amassado. Era impossível alguém ter sobrevivido”.
Foi aí que o barco da Defesa Civil se aproximou do avião, e um oficial viu uma mão batendo no vidro do avião. “Ele gritou: Rápido! Tem alguém vivo aqui!”.
Os Bombeiros e a Defesa Civil pediram ajuda a Mino para usar seu barco, uma traineira com capacidade para 25 pessoas chamada Caribe, para içar o avião. Um mergulhador dos bombeiros passou uma corda por baixo do avião e dois grupos de pessoas, cada um de um lado da proa do barco de Mino, puxaram o avião para cima. Conta Mino:
“Dava para ver a mão de alguém batendo no vidro. Depois ouvimos os gritos, era uma voz de mulher: ‘Pelo amor de Deus, me tira daqui, não aguento mais!’.
Os Bombeiros e a Defesa Civil usaram uma marreta para tentar quebrar o vidro, mas não conseguiram, aquilo nem trincou. Aí um bombeiro pegou um pé de cabra no meu barco e conseguiu abrir um buraco pequeno na fuselagem, para passar um tubo de oxigênio.
Assim que ele abriu o buraco, deu para ver um dedo saindo de dentro, foi uma coisa terrível, um desespero. O bombeiro enfiou a mangueira de oxigênio pelo buraco e bateu no avião para ver se a mulher estava viva. Mas não ouvimos mais nada.”
A notícia divulgada na quinta, de que a mulher teria sobrevivido por 40 minutos depois do acidente, estava errada. Segundo Mino, somando o tempo que os Bombeiros e a Defesa Civil chegaram e o tempo que eles passaram tentando abrir o buraco no avião, passaram-se cerca de 70 minutos.
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