Eleição de Donald Trump, vitória do Brexit no Reino Unido e rejeição a reformas de Renzi na Itália indicam desaprovação popular da aliança entre forças progressistas e forças do capitalismo cognitivo, consolidada por governos Clinton e Obama
Nancy Fraser, Dissent Magazine | Opera Mundi
A eleição de Donald Trump faz parte de uma série de grandes revoltas políticas que, juntas, sinalizam o colapso da hegemonia neoliberal. Elas incluem a votação pelo Brexit, no Reino Unido, a rejeição das reformas do então primeiro-ministro Matteo Renzi, na Itália, a campanha de Bernie Sanders pela nomeação como candidato do Partido Democrático, nos Estados Unidos, e o crescente apoio à direitista Frente Nacional francesa, dentre outras.
Embora sejam diferentes em ideologia e objetivos, estas insurreições eleitorais compartilham a mesma meta: todas elas rejeitam a globalização corporativa, o neoliberalismo e o establishment político que os promove. Em todos estes casos, os eleitores disseram “Não!” à combinação letal de austeridade, livre comércio, débito predatório e empregos precários e mal pagos, elementos que caracterizam o capitalismo financeiro dos dias atuais. Seus votos são uma resposta à crise estrutural desta forma de capitalismo, que se tornou patente a partir do colapso quase total da ordem financeira mundial em 2008.
Até recentemente, no entanto, a principal resposta à crise foi o protesto popular – dramático e intenso, certamente, mas em grande medida efêmero. Os sistemas políticos, em contraste, pareceram relativamente imunes, sendo ainda controlados por funcionários partidários e pelas elites do establishment, ao menos em Estados capitalistas poderosos, como os Estados Unidos, o Reino Unido e a Alemanha.
Hoje, contudo, o impacto eleitoral reverbera em todo o mundo, incluindo as grandes capitais financeiras do mundo. Os que votaram em Trump, assim como os que votaram pelo Brexit e contra as reformas na Itália, revoltaram-se na verdade contra os grandes donos da política. Torcendo o nariz para o establishment partidário, repudiaram o sistema que erodiu sua qualidade de vida ao longo dos últimos 30 anos. A surpresa não é que tenham feito isso, mas que tenham demorado tanto tempo.
Ainda assim, a vitória de Trump não é unicamente uma revolta contra as finanças globais. O que seus eleitores rejeitaram não foi simplesmente o neoliberalismo, mas o neoliberalismo progressista. A expressão pode soar como um oxímoro, mas é um alinhamento político real e perverso que explica os resultados da eleição norte-americana e, talvez, alguns dos desenvolvimentos políticos em outras partes do mundo.
Nos EUA, o neoliberalismo progressista é uma aliança entre, de um lado, correntes majoritárias dos novos movimentos sociais (feminismo, antirracismo, multiculturalismo e direitos LGBT) e, do outro lado, um setor de negócios baseado em serviços com alto poder “simbólico” (Wall Street, o Vale do Silício e Hollywood). Nesta aliança, as forças progressistas se unem às forças do capitalismo cognitivo, especialmente à “financeirização”. Embora involuntariamente, o primeiro oferece ao segundo o carisma que lhe falta. Ideais como diversidade e empoderamento, que poderiam em princípio servir a diferentes fins, hoje dão brilho a políticas que destruíram a indústria e tudo aquilo que antes fazia parte da vida da classe média.
O neoliberalismo progressista foi desenvolvido nos Estados Unidos ao longo das três últimas décadas, tendo sido ratificado pela eleição de Bill Clinton em 1992. Clinton foi o principal arquiteto e defensor dos ideais dos “Novos Democratas”, o equivalente americano do “Novo Trabalhismo” de Tony Blair. No lugar da coalização à la New Deal entre trabalhadores sindicalizados do setor industrial, afro-americanos e classes médias urbanas, Clinton forjou uma nova aliança entre empresários, a classe média dos subúrbios, novos movimentos sociais e juventude, levando-os a proclamar juntos sua boa fé moderna e progressista, sua aceitação da diversidade, do multiculturalismo e dos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo em que apoiava estas ideais progressistas, o governo Clinton cortejava Wall Street. Entregando a economia à Goldman Sachs, ele desregulou o sistema bancário e negociou acordos de livre comércio que aceleraram o processo de desindustrialização. Isso significou o fim do cinturão da ferrugem (o “Rust Belt”), outrora a maior fortaleza da democracia social do New Deal, que corresponde à região que na última eleição entregou a vitória a Donald Trump. O cinturão, assim como os novos centros industriais do sul, sofreu um grande baque à medida que a financeirização se desenvolveu ao longo das últimas duas décadas. Continuadas por seus sucessores, incluindo Barack Obama, as políticas de Clinton degradaram as condições de vida de toda a classe trabalhadora, mas especialmente a dos funcionários do setor industrial. Em suma, o clintonismo carrega uma grande parcela de culpa pelo enfraquecimento dos sindicatos, pela queda dos salários reais, pela crescente precariedade das condições de trabalho e pelo surgimento da família com dois provedores.
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