Filme conta a história real da última mulher executada na Tchecoslováquia. 'Eu, Olga Hepnarová' faz um denso retrato psicológico de uma assassina em massa. Longa tece crítica à sociedade que tiraniza e exclui as pessoas diferentes
Xandra Stefanel, RBA
“Considerem esta carta um documento oficial. Durante 13 anos, fui prisioneira de uma família tirana. Eu era um brinquedo para os adultos e uma vítima das crianças. Tinha vários apelidos: Dragão, Múmia, Anjo Caído e Virgem Adormecida. Meus torturadores eram cruéis. Sempre fui vista como a diferente da família. Nunca tive amigos, nunca vou ter. Fugi da escola, da minha casa e da minha vida. O Instituto Psiquiátrico me mostrou o quanto a psiquiatria é inútil.” Este é um trecho da carta que Olga Hepnarová escreveu aos 22 anos, pouco antes de atropelar com um caminhão várias pessoas em uma rua de Praga, na antiga Tchecoslováquia, em 1973.
Esta história real é reconstituída no longa-metragem Eu, Olga Hepnarová, que chega aos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador nesta quinta-feira (16). O longa-metragem de Tomás Weinreb e Petr Kazda faz uma espécie de perfil psicológico da última mulher executada na Tchecoslováquia: uma jovem lésbica e solitária que cresceu em uma família emocionalmente desconectada e que nunca foi capaz de responder ao que a sociedade esperava dela.
Na cabeça de Olga, havia apenas duas saídas: se matar ou matar as outras pessoas. No início do filme, ela tenta suicídio sem sucesso. Sua mãe, dura como todos os personagens do longa, apenas diz que para se suicidar era preciso ter muita coragem, o que não era o caso da garota. “Vou me vingar desses cretinos. Não adianta nada eu virar uma suicida anônima. A sociedade é arrogante demais para condenar a si mesma. E quem tenta fazer isso individualmente é castigado. Então, este é o meu veredicto: ‘Eu, Olga Hepnarová, vítima da sua violência, condeno vocês a morrer esmagados’”.
O fio-condutor do longa-metragem são as cartas escritas por Olga, a partir das quais é possível acompanhar o agravamento da solidão e do sofrimento da jovem. Mas não há no filme julgamento nem desculpas pelo assassinato. O que os diretores fazem é mostrar o ser humano em vez de tratá-la apenas como assassina em massa. Não fica claro se Olga Hepnarová foi um produto de seu meio (vítima de bullying e de abusos) ou se era uma psicopata tentando justificar seus atos. A dúvida torna possível fazer uma atual crítica à sociedade que (desde sempre) exclui e maltrata quem não se encaixa nos papeis pré-determinados.
Durante seu julgamento, Olga disse: “Eu poderia ter me suicidado. Isso ajudaria vocês a se livrar de uma vítima tiranizada.” Ela não queria ser absolvida e pediu para seu advogado não defendê-la usando a loucura como desculpa. Hepnarová queria mostrar para todos que a tirania social tinha condenado à morte uma jovem saudável e queria que isso servisse de alerta para que fatos terríveis como este não acontecessem novamente.
Doença individual versus social
“Qual é a diferença entre um jovem que atira em metade de sua escola em algum lugar da América ou Europa, e Olga Hepnarová, uma jovem tcheca de 22 anos que dirigiu um caminhão sobre um grupo de pessoas? Eles não experimentaram a mesma frustração, indiferença no seus ambientes sociais e sentimentos de alienação? Eles não são os mesmos com seus repetidos gritos por ajuda? O destino de cada um não está mais perto do que se pode esperar? As suas motivações não são realmente as mesmas? Essa semelhança não prova que o caso ‘daquela garota com o caminhão’, como era dito na época, possui um significado alterado pelo tempo e aplicável em qualquer lugar, permanecendo como o pão diário dos criminologistas? Como é possível que tais casos ainda aconteçam hoje e todas as instituições, organizações, igrejas, ciência médica avançada e psicologia, todos mecanismos criados para prevenir acidentes falhem repetidamente?”, questionam Tomás Weinreb e Petr Kazda.
“Não esqueçamos que os crimes do indivíduo são sempre muito mais aparentes do que os crimes cometidos pela sociedade de que todos somos parte. Nós nos escondemos na multidão com mais frequência do que defendemos os direitos do indivíduo. Isto é tão verdadeiro hoje como era anos atrás”, afirmam.
Segundo os diretores, o longa tenta encontrar as causas desta tragédia, “aquelas que podemos evitar hoje (mais psicologia empática, aumento da tolerância das minorias sexuais, a codependência emocional de crianças e pais…) e aquelas que não podemos mudar (o mal é parte integrante dos seres humanos). Na história de Olga gostaríamos de enfatizar acima de tudo a frieza e crueldade na sociedade como um todo. As pessoas se tratam com indiferença, sem empatia e compreensão, interessadas apenas em si mesmas. Por isso, o que queremos salientar é que, em relação ao ato de Olga Hepnarová, a culpa e responsabilidade são compartilhados por todos os que entram em sua história”.
Filmado em branco e preto, Eu, Olga Hepnarová tem um ritmo lento e denso. Ele deixa claro desde o início que a jovem cometeu assassinato em massa, o que não tira de forma alguma a tensão da obra. Ao contrário: faz com que seja ainda mais forte e perturbador, já que não precisa se dedicar exaustivamente ao assassinato em si, apenas à construção psicológica da protagonista, interpretada com maestria pela atriz polonesa Michalina Olszanska.
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