Decreto permite reabrir investigações de conta dos Neves em Liechtenstein, mas fica evidente o pouco ânimo do MPF para investigar irregularidades cometidas pelo grupo político, econômico e familiar de Aécio. Cabe a pergunta: e agora, Rodrigo Janot?
Marco Aurélio Carone, Viomundo
A cada dia que passa fica mais evidente o pouco ânimo do Ministério Público Federal (MPF) para investigar irregularidades cometidas pelo grupo político, econômico e familiar do senador Aécio Neves (PSDB–MG).
Em 8 fevereiro de 2007, agentes da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal (PF) fizeram busca e apreensão num dos apartamentos do luxuoso edifício residencial Murça, na Avenida Rui Barbosa, 400, Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro.
Era a“Operação Norbert” em andamento.
Ela investigou Norbert Muller e sua mulher, Christine Puschmann, acusados de comandar as secretas e rentáveis “centrais bancárias clandestinas” do País.
O casal oferecia aos seus clientes um serviço que só eles disponibilizavam aqui: criação e manutenção, no mais absoluto sigilo, de contas bancárias no LGT Bank, sediado no mais fechado de todos os paraísos fiscais do mundo – o principado de Liechtenstein.
Na mesma data, tanto no apartamento quanto no escritório do casal Muller, os agentes e delegados da PF encontraram as provas de que precisavam.
Em 20 de abril de 2009, de posse do material recolhido e das revelações de um ex-funcionário do LGT Bank, os procuradores Fábio Magrinelli e Marcelo Miller ofereceram denúncia contra os três integrantes da família Muller. E mais ninguém. Não se sabe por que até hoje o MPF decidiu não aprofundar as investigações.
Dois meses antes, em fevereiro de 2009, Heinrich Kieber, funcionário do LGT, fez uma cópia completa dos documentos de 1.400 contas hospedadas no banco e vendeu-as aos serviços secretos da Alemanha e da Inglaterra.
Como tinham o maior número de correntistas do LGT, esses dois países amargaram os maiores prejuízos devido à sonegação de impostos.
Seguiram-se extensas investigações e a maior operação de combate à evasão fiscal nos dois países.
Os dados foram também compartilhados com outros países prejudicados, entre os quais França, Espanha, Itália, Grécia, Suécia, Áustria, Austrália, Nova Zelândia, Índia Canadá e Estados Unidos. Em todos, houve investigações; e, na maioria, prisões.
Em julho de 2009, o Novojornal teve acesso à movimentação a uma das contas LGT Bank, em Valduz, Liechtenstein: a de nº 200783, da fundação Borgart and Taylor, pertencente à família Neves.
O resultado foi a matéria “Liechtenstein, o paraíso dos Neves”.
Acompanhava-a documentação e movimentação da conta.
Consultado o MPF, até julho de 2013, data do início da Operação Lava Jato, o Brasil não havia pedido acesso aos dados disponibilizados por Heinrich Kieber.
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a divulgação da “conta dos Neves” –e principalmente a insistência em cobrar investigações pelo MPF – foi um dos fatos que motivaram a minha prisão, em janeiro de 2014.
Em novembro de 2014, após ser libertado e, tendo em vista que o Novojornal continuava censurado, decidi encaminhar toda a documentação que acompanhava a matéria ao procurador-geral da República, dr. Rodrigo Janot.
Fiz isso em março de 2015, para provar a autenticidade dos fatos noticiados, através de uma “Notícia de Fato”.
Depois, por diversos meses, consultei a Procuradoria Geral da República (PGR), para saber como estava o andamento da denúncia. A resposta era sempre a mesma: estava em análise.
No final de 2016, convidado para relatar o ocorrido em minha prisão, compareci a uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, em Brasília.
Na ocasião, citei a matéria e relatei já ter encaminhado para o dr. Janot toda a documentação relativa à “Conta dos Neves em Liechtenstein”.
Ao término da audiência, recebi de uma senhora um envelope com a recomendação de que deixasse para abri-lo em casa.
Como sempre cumpro o combinado, coloquei o envelope na mala e fui para Belo Horizonte.
No dia seguinte, ao abrir o envelope, a surpresa. Continha a tramitação da denúncia que eu encaminhara ao dr. Janot.
Naquele momento, tomei conhecimento que, em dezembro de 2015, ele havia determinado o arquivamento de minha denúncia. Tudo sem me dar qualquer ciência, como determina a lei (na íntegra, abaixo).
E o que é pior: após arquivá-la, ele abriu novo procedimento com o mesmo objeto, determinando que fosse trazido aos autos a maioria dos documentos que eu já havia lhe encaminhado.
Como as surpresas nunca estão sozinhas, também tive acesso ao parecer do procurador da República Rodrigo Ramos Poerson, pedindo o arquivamento do processo nº 2009.51-01812685-7, IPL- 0085/2009-11 DELEFIN, tendo como investigada, Inês Maria Neves Faria, mãe de Aécio (na íntegra, abaixo).
Justificativa para o arquivamento: “Não tinha como investigar, pois, Liechtenstein era um paraíso fiscal, desta forma não forneceria os dados”.
O parecer do procurador, datado de 23 de fevereiro de 2010, choca com a realidade.
A data de sua apresentação ocorreu um ano após a divulgação da documentação pelo funcionário do LGT, Heinrich Kieber, e da nossa matéria.
Se, na época, o MPF, com base no argumento de ausência de um acordo de cooperação com Liechtenstein, optou por não dar sequência às investigações relativas à conta da família Neves, hoje esse empecilho já não existe mais.
Em 29 de agosto de 2016, foi editado o decreto nº 8.842, promulgando a “Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária”, emendada pelo Protocolo de 1º de junho de 2010 e firmada pela República Federativa do Brasil, em Cannes, em 3 de novembro de 2011.
O principado de Liechtenstein é um dos subscritores.
E agora, dr. Janot?
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