Gustavo Coura Guimarães*, Pragmatismo Político
Compartilhar informações nas redes sociais atualmente é um exercício quase automático ao qual nos prestamos, às vezes sem muita reflexão. Para muitos, se está na rede é porque é verdade. Ou então, é porque tem, pelo menos, um fundo de verdade. Mas, que verdade é essa que estimamos transmitir com a mais alta habilidade, certeza e senso crítico? Pois, muitas das vezes, essa « verdade » que fazemos circular diz mais da nossa própria índole do que de outra coisa. Mas, para não dizermos que estamos sendo narcísicos ao vangloriar o nosso próprio pensamento, buscamos travestí-lo sob forma de notícia com o intuito de prestar um serviço de utilidade pública.
Deixe-me usar um exemplo prático de como isso se manifesta, para ser mais claro. A morte de Dona Marisa Letícia, esposa do ex-presidente Lula, parece ser um caso bastante revelador.
Quando muitos dos opositores políticos de Lula, do PT, dos petistas, da esquerda ou do que quer que seja — haja vista que, às vezes, alguns não sabem sequer explicar a que se opõem —se pegaram solidários ao drama vivido pelo ex-presidente, logo aparecem os oportunistas que se serviram dessa tragédia como forma de reafirmar sua posição política e até mesmo o seu ódio desmedido e gratuito. Não foi raro encontrar manchetes « informativas » dizendo que Lula aproveitou da ocasião para dizer que sua mulher havia falecido por culpa do juíz Sérgio Moro. A partir daí, quem se sentiu obrigado a se calar e a respeitar esse momento de luto se viu, desde então, « autorizado » a proferir os mais variados julgamentos de valor a respeito da suposta declaração do ex-presidente. E, ao fazê-lo, ainda justificaram suas atitudes grotescas e desrespeitosas dizendo que foi o próprio Lula que não respeitou a morte da sua mulher e que eles estavam apenas reagindo ao que ele havia dito. No entanto, até mesmo a revista Veja — uma das mais fiéis opositoras ao ex-presidente Lula — declarou que se tratava de uma notícia falsa. Mas, aí, já era tarde demais. Aqueles que preferiram acreditar na falsa notícia e difundir todo o ódio retido por alguns instantes, em sinal de um resquício de respeito que ainda possuíam, já haviam despejado todo o rancor que guardam pelos seus opositores nas redes sociais. A lama já havia sido despejada e a falsa notícia havia ganhado status de « verdade ». Afinal de contas, se todo mundo está comentando é porque deve ser verdade, não é mesmo ?
Não, nem sempre abrangência é sinônimo de legitimidade. Mas, para não ter que admitir o próprio erro, muitos dos que compartilharam a notícia fictícia criaram outro argumento para se defender: é a mídia alternativa que divulgou, já que a grande mídia é praticamente toda corrompida.
Devo concordar que a grande mídia é corrupta sim e que ela, muitas vezes, defende interesses contrários ao bem comum. Não raramente o código de ética dos jornalistas é colocado em segundo plano quando interesses comerciais e pessoais estão em jogo. No entanto, deve-se ficar atento à profusão de conteúdos da chamada « mídia alternativa », pois ela também tem seus próprios interesses. Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, justifica seus decretos justamente baseado em « fatos alternativos », muitas vezes inventados, para legitimar as ações do seu governo. E, assim, aqueles que se dizem lutar contra o sistema conseguem, gradativamente, disseminar suas ideias e dar a elas o status de « verdade ».
O público, por sua vez, se encontra no meio de um verdadeiro fogo cruzado — entre a grande mídia corrupta que eles estimam conhecer e aqueles que se dizem antissistema e que buscam trazer à tona as « verdades » que os outros veículos de comunicação não mostram. Para tanto, muitos desses autores de « fatos alternativos » não hesitam em surfar na onda de preconceitos e de ódio gratuito, a fim de legitimar o seu próprio discurso. Dessa forma, o público é obrigado a escolher entre a conivência com o sistema e a rebeldia desmedida contra tudo e contra todos.
Assim sendo, como fazer para não ter de aderir, necessariamente, a um dos lados? A resposta é simples. Antes de clicar, de compartilhar e de assimilar tudo o que se lê como sendo « verdade », busquemos fontes seguras de informações, estudemos história, analisemos os discursos de uns e de outros e busquemos se eles realmente procedem. Tenhamos fontes de informação variadas — inclusive ao consultar autores que discordam do nosso ponto de vista — para enxergarmos além da bolha na qual nos confinamos e que nos impede de ver além. Não é porque o outro não partilha da mesma opinião que eu que ele não tem razão. Talvez, trate-se apenas de pontos de vista diferentes. Por isso, é melhor nos darmos um tempo maior de reflexão e controlar a ânsia de compartilhamentos que essa sociedade cada vez mais conectada quer nos impor, já que, no final das contas, quem ajudou a espalhar a lama também tem de se prontificar a limpá-la depois.
Leia também:
Mestre das notícias falsas no Facebook revela como ajudou a eleger Donald Trump
Internauta que ofendeu eleitores de Dilma é condenado a 2 anos de reclusão
Os 7 principais mitos sobre Fidel Castro que circulam na internet
Promotor lança alerta sobre brincadeira ‘Faça ao seu filho estas perguntas…’
Notícias mais compartilhadas na semana do impeachment são falsas
Estadão e Folha reproduzem corrente de WhatsApp como se fosse fala de Lula
Qual é o problema das redes sociais?
*Gustavo Coura Guimarães é jornalista, doutor em Cinema e Audiovisual e colaborou para Pragmatismo Político.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook