O MBL foi às ruas pela primeira vez desde que Dilma saiu do governo e fracassou. Envolvido com Temer, o grupo poupou o atual presidente no protesto. Não é fácil explicar os movimentos duradouros da sociedade brasileira. É mais difícil ainda explicar fenômenos transitórios
Fábio de Oliveira Ribeiro, GGN
Neste domingo o movimento liderado por Kim Kataguiri foi submetido novamente ao teste das ruas e falhou. O surpreendente sucesso das manifestações contra Dilma Rousseff e a favor do Impedimento se transformou num fracasso.
Não é fácil explicar os movimentos duradouros da sociedade brasileira. É mais difícil ainda explicar fenômenos transitórios.
O conceito de luta de classes, por exemplo, não pode ser ajustado aos 350 anos de escravidão. O sucesso da escravidão no Brasil não teria sido tão grande e duradouro sem o apoio dos próprios escravos. Portanto, a colusão de classes foi mais importante do que a luta de classes.
Aquilo que chamamos de “conciliação das elites”, fenômeno que permitiu a permanência quase inalterada da mesma estrutura de poder sob o regime Colonial, Imperial e Republicano é a expressão máxima desta colusão de classes. Em nosso país as diferenças regionais (tão marcantes nas variedades linguísticas e nos hábitos alimentares) nunca foram capazes de provocar rupturas permanentes entre as elites das diversas regiões. Ocorreu no Brasil algo diferente do que ocorreu entre os espanhóis, cuja colônia sul-americana se transformou em diversos países após os movimentos de independência.
Até a década de 1970, todas rebeliões populares ocorridas no Brasil foram insurgências localizadas e transitórias. Nenhuma delas conseguiu se propagar por todo o território nacional. O PT se consolidou como partido a partir da insurgência dos trabalhadores contra a Ditadura. Findo o regime de exceção, o partido de Lula se ajustou perfeitamente ao cotidiano político nacional e até atraiu o respeito dos militares e a simpatia de uma parte das elites tradicionais.
O sucesso do MBL foi mais imediato do que o do PT, mas o movimento de Kim Kataguiri não conseguiu construir algo duradouro após derrubar Dilma Rousseff. Após unir nas ruas os insatisfeitos que estavam dispersos em torno de um programa mínimo (o Impedimento), o MBL esfarelou justamente porque foi visto (por uma parcela dos descontentes com o PT) como instrumento para um fim e não como um autêntico recomeço.
Após uma meteórica elevação de seu status (de rebelde desconhecido a colunista de um grande jornal), Kataguiri foi rapidamente descartado pelo seu novo empregador. Os interesses financeiros da Folha de São Paulo são atendidos pelo PMDB de Michel Temer e Kataguiri não tem nada além de problemas a oferecer a dono do jornal. Aqueles que não abandonaram o MBL porque tiveram seus interesses atendidos pelo usurpador se afastaram do movimento porque perceberam que a queda de Dilma Rousseff não se traduziu em melhorias e sim em perda de direitos.
Apesar de ser liderado por jovens brancos de classe média do sudeste, o MBL encontra seu paradigma histórico na Revolta dos Malês. Os sucessos imediatos do movimento construíram as condições para sua derrota, pois as estruturas de poder consolidadas eram maiores e mais fortes do que os revoltosos imaginaram. Os poderosos amigos que o MBL fez não precisam do movimento para continuar existindo. Os adversários dos moleques liderados por Kataguiri recuperaram as ruas. O PT pode ter perdido a presidência, mas não foi destruído. Após o golpe contra Dilma Rousseff a liderança de Lula cresceu ao invés de eclipsar.
Outra explicação pode ser dada pela natureza impermanente das relações construídas pelo MBL. O movimento cresceu na internet e se propagou para rua em razão de uma determinada conjuntura (as rupturas que ocorreram dentro do PMDB e entre o PMDB e o PT). Ele seguiu o movimento inverso daquele que foi realizado pelos adversários da Ditadura.
A resistência à Ditadura começou nas ruas e só se transformou em fenômeno virtual algumas décadas depois quando a própria rede mundial de computadores se tornou uma realidade no Brasil. Portanto, a esmagadora maioria dos militantes de esquerda mais velhos já tinham uma experiência que o MBL não teve tempo de adquirir e de transmitir aos seus novos simpatizantes. Isto explica tanto o sucesso das recentes manifestações contra as reformas de Michel Temer quanto o fiasco deste domingo.
Numa de suas últimas entrevistas Zygmunt Bauman disse que:
“No estado de interregno, as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. As instituições de ação coletiva, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam direito mais. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando.
Não temos ainda uma visão de longo prazo, e nossas ações consistem principalmente em reagir às crises mais recentes, mas as crises também estão mudando. Elas também são líquidas, vêm e vão, uma é substituída por outra, as manchetes de hoje amanhã já caducam, e as próximas manchetes apagam as antigas da memória, portanto, desordem, desordem.”
http://www.fronteiras.com/entrevistas/a-fluidez-do-mundo-liquido-de-zygmunt-bauman
As palavras dele parecem ter sido confirmadas pelo que ocorreu com o MBL. A marolinha surfada por Kataguiri arrebentou na praia e os líderes do movimento não foram capazes de perceber que a espuma não é o oceano, mas um delicado subproduto que ele deposita na areia. Os militares deles voltaram a navegar… ainda não sabemos onde é que eles estão navegando, mas alguns deles já demonstraram arrependimento no Facebook.
O MBL nasceu num momento de interregno e caducou rapidamente porque uma nova forma de organização política e social ainda não foi capaz de suplantar aquela que verdadeiramente pode controlar os rumos do Brasil. Como a direita virtual européia, o MBL fracassou no seu test drive nas ruas. Em pouco tempo a memória da passagem de Kataguiri pela Folha de São Paulo será esquecida até pelo próprio jornal.
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