Attilio Giuseppe*, Pragmatismo Político
Um dos acontecimentos que gera dilemas internos num torcedor de futebol é ser esbofeteado, com enorme frequência, pela realidade. Não me refiro a admitir a verdadeira qualidade de sua esquadra, mas sim, a verdade dos resultados conquistados, ou perdidos, dentro das quatro linhas.
Os comentaristas querem nos convencer, ou a eles mesmos, que os erros de arbitragem acontecem aleatoriamente, como raios que caem em lugares diversos, sem escolher o próximo alvo de maneira premeditada. Basta uma rápida verificação histórica para desconfiar, que certos clubes, em momentos chaves de suas trajetórias foram alvos repetidos das descargas elétrica que caem do céu.
O que faz o fanático? Não aceita, afinal de contas, como pode gostar tanto de algo que não permite surpresas? Como amar tanto, quem não aceita o imponderável? Como perder noites de sono, por algo que precisa ser finalizado aceitando uma verdade apenas? Isto dói, dói demais. A pessoa se sente bestializada, controlada, movimentada, e pior do que isto tudo, ela não larga a paixão. Quase o mesmo que ser traído frequentemente, mas não conseguir parar de amar.
Posto este raciocínio, sinto o mesmo ao acompanhar a política. Vez por outra surgem depoimentos, documentos, relatos, testemunhas, que afirmam e comprovam a manipulação de acontecimentos, por “fatores externos”. Há um “dedo de Deus”, onipresente, onipotente, um primeiro motor imóvel, que surge misteriosamente, age, movimenta e depois silencia. Ele sempre move, jamais é movido. Ele sempre age, jamais sofre ações. Ele sempre invade, jamais é invadido (num sentido territorial mais restrito). Ele depõe governos, elabora e financia manifestações, controla preços, quebra empresas, elimina opositores, angaria aliados. Ele controla, jamais é controlado. Ele explora, jamais é explorado. Ele monopoliza, jamais sofre concorrência. Ele faz quebrar, mas jamais fica falido. Ele pode errar e será socorrido. Ele pode falhar e será resgatado. Pode governar, mas jamais receberá votos. A mão dele é tão onipresente, que torna-se “invisível”, pelo menos aos nus olhos dos que creem na livre e espontânea sucessão de fatos. Ao desconfiar, você se transforma num conspirador, louco, incrédulo. Te falta esperança, te falta fé, te falta otimismo. Você não passa de um desagradável e aguado companheiro de conversas. Você foge à regra e justamente por isto, obviamente está errado. Você é o único que não percebe o nível de elucubração que seu cérebro alcançou. Isto é doentio meu camarada. Você vai ficar doente da cabeça. Você passa a ser visto como alguém que fugiu da realidade, logo no momento em que você não se escondeu dela. Quanta ironia.
E aí vem o grand-finale: você não acredita mais nas manifestações. Não na espontaneidade delas (tudo bem, disto você também desconfia em inúmeras vezes), mas sim, na praticidade e resultados que elas, as pacíficas, alcançarão. Você não crê mais que vai mudar o curso da História e sabe por quê? Ela já está escrita, mesmo antes de virar História. Já dizia um velho sábio, mais ou menos assim: “sem luta não há mudanças”. Sem luta haverá apenas continuações. Nenhum caminho altera seu destino, sem curvas. Na ausência do rompimento, do inesperado, do imponderável, de uma força incontrolável, pode ter certeza, que você estará apenas assistindo mais uma partida de futebol.
*Attilio Giuseppe é historiador, professor e colaborou para Pragmatismo Político.
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