Gigantes da alimentação vendiam carnes estragadas com produtos cancerígenos
"Operação Carne Fraca" deflagrada nesta sexta-feira (17) descobriu que frigoríficos utilizavam carnes estragadas com produtos cancerígenos na composição de salsichas e linguiças. JBS-Friboi, BRF Foods (Sadia e Perdigão) e Seara são as principais investigadas
A Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal nesta sexta-feira (17), executa 38 mandados de prisão e 77 de condução coercitiva, além de 194 de busca e apreensão em São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Goiás e Santa Catarina – na maior operação policial já realizada no país.
O esquema era liderado por fiscais agropecuários federais e empresários do agronegócio. Executivos do frigorífico JBS e do grupo BRF foram presos. A Justiça Federal do Paraná determinou o bloqueio de cerca de R$ 1 bilhão das empresas envolvidas.
Além da corrupção de agentes públicos ligados ao Ministério da Agricultura e de empresários do agronegócio, a “Operação Carne Fraca” também verificou irregularidades feitas por empresas para adulterar alimentos. Entre elas, estava a utilização de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças.
Entre as empresas investigadas estão as gigantes JBS (maior processadora de carne bovina do mundo), a BRF Foods (que surgiu da fusão da Sadia com a Perdigão) e a Seara.
Segundo as investigações, a Peccin Agro Industrial, por exemplo, “maquiava” os produtos com ácido ascórbico, substância popularmente conhecida como vitamina C, mas que pode ser cancerígena quando consumida em excesso.
Ainda segundo a OMS, doses excessivas da vitamina C são consideradas tóxicas e podem resultar distúrbios gastrointestinais, cálculos renais, problemas na absorção de ferro, entre outras complicações.
O delegado da Polícia Federal Maurício Moscardi Grillo disse que algumas das empresas investigadas usavam ácido e outros elementos químicos muito acima do permitido por lei para maquiar o aspecto físico de alimento vencidos e estragados. “Alguns são cancerígenos e usados para poder maquiar a característica física”, afirmou.
Além disso, a Peccin utilizava notas fiscais falsas de produtos com SIF (Serviço de Inspeção Federal) para a compra de carne estragada. Um laboratório responsável por analisar as amostras de produtos alimentícios também estaria envolvido na fraude.
Outra empresa que teria vendido carne estragada é o frigorífico Larissa. De acordo com as investigações, a companhia também seria responsável por emitir notas fiscais falsas e transportar produtos fora da temperatura adequada.
Para o delegado Grillo, as irregularidades “causavam revolta”. “Usar cabeça de porco, animal morto de tempos, carne estragada… Tudo para fazer esse tipo de produto, principalmente, salsicha, linguiça”, disse durante entrevista coletiva.
Confira a seguir um diálogo entre o dono do frigorífico, Paulo Rogério Sposito, e um funcionário:
Funcionário: “(…) Nós temos uma carga de barriga, mas aquela uma lá que tem que trocar a etiqueta. Cê lembra?”
Paulo: “Ah, mas e daí? Troca ué”.
Funcionário: “Sim, mas daí eu tenho que trocar ela no final de semana né… que o rapazinho não tá aqui. porque ela tá vencida”.
Paulo: “Então…mas ela tá onde?”
Funcionário: “Eu acho que tá lá no armazém lá de baixo”
Funcionário: “Seu Paulo?”
Paulo: “Oi”.
Funcionário: “Achamos umas paletas 127, que estão vencidas desde fevereiro. Manda embora ou deixa na produção pra eles usar?”
Paulo: “Deixa na produção pra eles usar (…)”
Referindo-se ao grupo criminoso composto por proprietários e representantes de frigoríficos, “incluindo grandes da indústria de alimentos, como Seara e BRF”, o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, 14ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, afirmou que todos eles “têm como modus operandi a prática de irregularidades nas empresas nas quais trabalham”.
“Algumas que foram observadas ao longo do tempo de investigação, com certas variações entre os envolvidos (nem todos cometem todas as irregularidades adiante): reembalagem de produtos vencidos; injetar água nas carnes; uso de produtos químicos para maquiar o cheiro de podre; inobservância da temperatura adequada das câmaras frigoríficas; assinaturas de certificados para exportação fora da sede da empresa e do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), sem checagem in loco; venda de carne imprópria para o consumo humano; uso de produtos cancerígenos em doses altas para ocultar as características que impediriam o consumo pelo consumidor”, resumiu.
Propina para PP e PMDB
Parte do dinheiro da propina paga pelas empresas envolvidas na Operação Carne Fraca era destinado à campanha eleitorais de partidos políticos, notadamente o PP e o PMDB. A informação foi divulgada pelo delegado da Polícia Federal, Maurício Grillo, em entrevista coletiva concedida em Curitiba.
“Está bem claro que uma parte do dinheiro da propina era revertido para partido político. Era destinado para campanha política”, afirmou o delegado. Questionado sobre os partidos que seriam beneficiados, respondeu: “No caso de dois partidos, PP e PMDB, era muito claro”. Grillo afirmou que não é ainda possível afirmar quanto foi repassado aos partidos nem quanto tempo durou esse esquema. “Nos dois anos da investigação era muito claro, mas não sabemos se havia antes.”
com informações da Polícia Federal e da Agência Estado