Policiais militares não ouviram testemunha-chave da morte de menino de 13 anos na lanchonete Habib’s. Gerente, supervisor e funcionários apresentam versões diferentes para o crime. Familiares clamam por Justiça
Um menino de 13 anos morreu na noite do último domingo (26) na lanchonete Habib’s da Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo.
Familiares de João Victor Souza de Carvalho afirmam que ele foi agredido por funcionários do estabelecimento porque pedia dinheiro na porta do local. Após ser espancado, o garoto teve parada respiratória e morreu antes de chegar ao Hospital.
“Ele teve uma morte que não se faz nem com animal. Meu filho era humilde igual eu, catador de lixo. Ele pedia, mas não roubava nada de ninguém. O moleque foi espancado por causa que estava pedindo um real para comer um lanche”, disse, indignado, o pai do adolescente, Marcelo Fernandes de Carvalho, de 42 anos.
Sílvia Helena Croti, 59 anos, testemunha-chave do crime, tentou falar sobre o caso com os policiais militares que atenderam a ocorrência, mas não foi ouvida. Sílvia, que é vendedora de balas, disse que a PM desconsiderou seu testemunho porque ela é pobre.
Três dias depois do crime, Sílvia contou o que viu ao delegado da polícia civil Antonio Celso Berna Peduti. Segundo ela, o gerente do Habib’s e o segurança perseguiram e alcançaram João Victor.
“O segurança pegou João Victor pelo pescoço e desferiu um violento soco contra sua cabeça”, afirmou. Sílvia se aproximou, viu espuma na boca do menino, chegou a pedir uma colher para tentar destravar a língua do menino, mas percebeu que ele já estava inconsciente.
“Se os PMs tivessem levado a testemunha para a delegacia no dia e ela tivesse reconhecido os agressores, eles poderiam ter sido presos em flagrante”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves, que assessora a família.
Ariel ainda ressalta que os fatos ocorreram às 19hs do dia 26 – domingo, mas que o registro ocorreu apenas às 4 da manhã do dia 27 e que as investigações se iniciaram 3 dias depois.
“Apurações de possíveis homicídios não podem ficar paradas em razão de feriados. Já deu tempo do Habib’s sumir com as imagens, ou editá-las”, ponderou.
A versão do Habib’s
Representantes da unidade do Habib’s afirmaram aos policiais que o menino era conhecido do local por pedir dinheiro e comida aos clientes. Mas que naquela noite, ele estava “importunando os clientes”.
Segundo um gerente e um supervisor, o menino saiu correndo quando os funcionários foram abordá-lo e, mais a frente, caiu no chão e teve um mal súbito.
O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar foram acionados por moradores. Os PMs relatam que foram atender uma “ocorrência de agressão”, mas quando chegaram ao Habib’s o garoto já havia sido levado pela unidade de resgate.
O garoto morreu no caminho do Hospital. Os médicos do hospital afirmaram, em ofício encaminhado à polícia, que o óbito “se deu por causa desconhecida”.
O Instituto Médico-Legal (IML) vai elaborar um laudo para esclarecer a causa da morte dele. O documento deve ficar pronto em até 15 dias.
Versão de outros funcionários
Outros funcionários do Habib’s desmentiram a versão apresentada pelo gerente e pelo supervisor da lanchonete.
Exigindo que seus nomes fossem resguardados em anonimato, empregados da lanchonete disseram que um cliente deu um forte soco no rosto de João Victor, que caiu no chão desfalecido.
“Um cliente deu um ‘croc’ na cabeça do menino. Nenhum empregado do Habib´s o agrediu”, disse um funcionário.
Os funcionários não souberam identificar quem é esse cliente. A polícia deverá analisar imagens gravadas por câmeras de segurança do Habib´s e de outros imóveis para tentar saber quem bateu no menino.
Os empregados dizem não acreditar que o soco que João levou do cliente tenha provocado sua morte. Eles acham mais provável que o garoto morreu após correr das pessoas que saíram atrás dele.
Protestos
Nesta quinta-feira (2), centenas de pessoas foram para a frente da lanchonete Habib’s protestar contra a morte de João Victor e pedir que as investigações não sejam manipuladas.
A concentração de manifestantes na altura do número 5015 da Avenida Itaberaba teve início por volta das 17h. Às 19h, horário previsto para o início do ato, a Avenida Deputado Cândido Sampaio, ao lado do Habib’s, foi fechada pelos manifestantes.
Três viaturas da Polícia Militar acompanharam o ato até 20h40, momento em que chegaram mais quatro viaturas.
“Agora a polícia dá a cara, mas na hora em que mataram o menino eles vieram uma hora depois. Eu quero justiça. Eles [seguranças do Habib’s] vão pagar”, disse Alini Cardoso, 28 anos, prima de João Victor, durante o ato, que terminou por volta das 21h.
Nota do Habib’s
Em nota, a assessoria do Habib’s disse que considera o fato lamentável.
“A franqueadora leva em consideração as informações relatadas pelos funcionários da unidade franqueada, presentes no momento da ocorrência, bem como os relatos registrados em B.O. A polícia foi acionada, assim que verificaram que a conduta do menor estava incontrolável, ameaçando o patrimônio físico da loja e dos clientes. Imediatamente, também o resgate foi acionado.”
A assessoria ainda informou que tomou as providências para socorrê-lo e vai se “empenhar em esclarecer todos os detalhes do ocorrido com prioridade”.
Confira o testemunho de Sílvia Helena Croti:
Reportagem da TVT sobre a morte de João Victor:
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