Racismo não

“Não entrevisto negros” — Detalhes de uma história inaceitável e revoltante

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“Eu não entrevisto negros”. Publicação acende o debate sobre inclusão dos negros nas grandes empresas. Em condição de anonimato, a vítima, que tem excelente formação e currículo, explica por que não pretende levar a denúncia adiante

Publicação de presidente da Bayer reacendeu debate sobre racismo no mercado de trabalho

O presidente da indústria farmacêutica Bayer no Brasil, Theo van der Loo, denunciou em seu perfil na rede social para profissionais LinkedIn, no último sábado, uma “história inaceitável e revoltante”, como ele mesmo classificou.

Um conhecido do executivo, negro, sofreu racismo durante uma entrevista de emprego que aconteceu no dia anterior à publicação da denúncia.

De acordo com Theo, o amigo em questão tinha “excelente formação e currículo”, mas no momento da entrevista, ouviu da pessoa que iria recebê-lo que ele “não entrevistava negros”.

Theo continua o relato, dizendo que sugeriu ao amigo que fizesse uma denúncia. O executivo, então, diz que ficou surpreso com a resposta que recebeu.

“Pensei, mas achei melhor não fazer, pois posso queimar minha imagem”, justificou o candidato negro ofendido pelo entrevistador.

A publicação de Van der Loo levantou a bola do debate sobre a inclusão racial nas grandes empresas brasileiras. Seu post teve mais de 500 mil visualizações em quatro dias, um número muito acima média para uma rede social restrita a interações de trabalho.

“Gostaria de que ficasse claro que esta não é minha causa como presidente da Bayer, pois hoje sou presidente e amanhã não. Esta é uma causa que defendo como cidadão brasileiro, e gostaria de que não fosse minha e sim da sociedade”, explicou Theo após a repercussão da postagem.

Theo van der Loo

Filho de holandeses, Theo nasceu em São Paulo em 1955 e criou-se com crianças do asfalto e da favela do bairro de Brooklin, na zona sul da cidade. “Meus pais sempre me passaram uns valores fortes para não ter preconceito. Os dois viveram a Segunda Guerra e eu lembro da minha mãe sempre ajudando as pessoas, a todas, independentemente da cor ou a classe”.

A Bayer, conta Theo, tem com um comitê próprio pela inclusão e há funcionários dedicados a essa questão. O curioso é que em outros países o foco está em favorecer a integração de mulheres, pessoas com deficiência ou LGBT, mas no Brasil chegou-se à conclusão de que a maior lacuna estava na falta de oportunidades dadas aos negros.

No país, enquanto mais de 53% da população se declara negra, apenas representam 17,4% da parcela mais rica do país, segundo dados do IBGE de 2014.

“Vejo as pessoas negras com dificuldade de encontrar emprego e fazer carreira. É uma questão de ter uma sociedade mais justa. Minha missão é na Bayer, mas cada CEO tem sua responsabilidade”, alerta o executivo.

“Se a gente quer um país melhor não podemos ignorar as desigualdades sociais, e no Brasil quem as sofre são principalmente os afrodescentes. É necessário ter mais negros nas grandes empresas fazendo carreira. É melhor para o país. Do jeito que esta não dá para ficar”.

Em 2015, Theo van der Loo conquistou o prêmio de personalidade do ano na categoria ‘Melhor Estímulo à Ação Afirmativa”, graças ao programa de diversidade aplicado na Bayer, onde é CEO desde janeiro de 2011.

A vítima

Em entrevista à BBC Brasil em condição de anonimato, o candidato negro amigo de Theo disse que manterá sua postura de não denunciar o racismo sob pena de adquirir fama de “vitimista” no mercado de trabalho.

“Há uma linha muito tênue entre algo que pode sensibilizar a opinião pública e acabar com a minha carreira profissional”, considera Lucas*, que está há sete meses desempregado e não quer correr riscos.

“Eu conheço o mapa mental do empresariado brasileiro, e, no Brasil, qualquer tipo de agressividade pode acabar se voltando contra você. Você pode rapidamente ser visto como ‘vitimista’ ou como um ‘cara problema'”, completa.

Nascido e criado em um “bairro tradicional” de São Paulo, bisneto de escravos, neto de empregada doméstica, foi o primeiro de sua família a ir para a universidade, a sair do país e a cursar uma pós-graduação nos EUA.

Mas ele diz que o relato de preconceito está longe de ser exceção na sua trajetória profissional.

Quando Lucas* foi atrás de seu primeiro emprego, aos 14 anos, pleiteando uma vaga de office boy em uma conhecida rede de varejo de material escolar, ouviu da moça que encaminhava os candidatos para preencher fichas que “não havia vagas” para ele; deveria procurar com os “amigos” do lado de fora, no estacionamento onde atuavam flanelinhas — todos negros.

Aos 20 e poucos anos, no programa de trainee de uma “grande organização brasileira” para a qual havia sonhado em trabalhar, conta que o gerente costumava chamá-lo de “neguinho do pastoreio”. Às vezes, também de monkey (macaco, em inglês).

“Ele dizia que eu dei sorte por não ser um negro beiçudo, ser boa pinta, falar bem e não ser burro”, lembra.

Mais recentemente, aos 30 e poucos, descobriu uma troca de e-mails numa empresa para a qual prestava consultoria na qual funcionários o chamavam de “macaco” e faziam troça de seu estilo, e do fato de usar camisas da marca Lacoste.

“Onde já se viu, negro com pinta de branco”, leu em uma mensagem. Lucas* diz ter tido acesso a uma troca de e-mails por acaso, e levou o caso a um superintendente. O caso foi abafado. Pouco tempo depois, Lucas foi mandado embora.

“Infelizmente temos ainda esse câncer na sociedade brasileira, e existe ainda essa celeuma popular que associa negros a malandros, vagabundos e outros adjetivos pejorativos que povoam o imaginário coletivo”, diz ele.

*O nome foi trocado para preservar a identidade do profissional

com informações de BBC Brasil

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