“Não aceito isso. Por que a minha filha é diferente e os outros não são?”, desabafou mãe da menina de 4 anos. A criança chegou chorando em casa, não quer mais retornar à escola e pediu para alisar os cabelos. Professora alegou que a pequena tinha “cabelos duros”
Um caso de discriminação racial é investigado pela Polícia Civil da cidade de Samambaia, no Distrito Federal.
O episódio aconteceu na última semana em uma creche pública e envolve uma menina de 4 anos e uma professora da instituição de ensino.
A mãe da criança, Polyelle Conrado, disse que a filha chegou chorando em casa porque a professora lavou o cabelo de todas as colegas, menos o dela porque era “duro”.
O Centro de Educação da Primeira Infância Caliandra é uma creche pública que atende 136 alunos em turno integral. Todos os dias, antes de voltar para casa, as crianças tomam banho com a ajuda de monitores.
De acordo com Polyelle, desde segunda-feira a filha não quer mais voltar para a escola porque tem “cabelo duro”. Traumatizada, a criança pediu também para alisar os cabelos.
“Não aceito isso. Por que a minha filha é diferente e os outros não são? Ela é igual todos. Eu não acho que minha filha tem o cabelo ruim. Então eu fico muito chateada com isso”, desabafou Polyelle.
Intimada pela Polícia Civil, a diretora da creche, Edvane Cosmo, contou ao delegado que não houve discriminação e justificou que a mãe da menina havia pedido informalmente para que o cabelo da filha não fosse lavado. No entanto, não há nenhum registro desse pedido.
A versão da diretora é desmentida pela mãe da menina. Polyelle disse que imaginava que não lavavam o cabelo da filha por causa do racionamento de água no Distrito Federal. Só esta semana a menina explicou que a professora não tocava no cabelo dela.
“Eu não aceito, eu peço justiça porque eu não vou ficar com a minha filha dentro de casa, sem ela poder ir pra escola, sem ela fazer nada. Ela vê os outros, agora, ela corre. Antes não, ela conversava, ela falava, ela brincava, agora, ela não quer mais”, disse Polyelle.
Segundo Viviana Santiago, que escreve para o blog Palavra Preta, a tentativa da diretora de acobertar a professora e jogar a culpa na mãe da criança demonstra como o racismo está enraizado nas escolas brasileiras.
“Diante da denúncia da mãe, a escola anuncia: foi um engano. Essa mãe está confusa! Ao tratar como histeria da mãe e atribuir a um caráter de fim de mundo isso que vemos agora, a escola opta por uma explicação que mascara o que toda pessoa negra adulta que já foi criança sabe, e que todas as pessoas que são crianças agora podem dizer: Existe racismo na escola sim, e muito. E sempre existiu”, relata Viviana.
“Os anos escolares para as crianças negras implicam num longo e sofrido período de violências racistas que tentam modelar e submeter a vida, o corpo e os sonhos das crianças a uma possibilidade de ser gente negra que não vai muito além de um saci Pererê”, completa.
Racismo velado
A professora da Universidade de Brasília (UnB), Suzana Xavier, que trabalha com o tema diversidade, explica que o problema é o racismo velado.
“Infelizmente, o racismo não só é banalizado, como ele é negado todos dias. As pessoas tem comportamentos racistas, né? Não verbalizam, geralmente é velado e até tem pessoas que dizem não ser racistas quando na verdade são porque não conseguem reconhecer, dizer-se racista. Mas racismo no Brasil é uma coisa que tá implementada e que a gente tem que combater”, afirma a professora.
De acordo com Suzana, o cabelo para o negro é identidade. Quando há discriminação na infância, diz ela, o trauma pode ter consequências para a vida inteira e interferir até no desenvolvimento da criança.
A poeta e atriz Cristiane Sobral afirma que no Brasil os padrões de beleza foram construídos para que as mulheres negras não considerassem o cabelo natural como uma opção estética positiva.
“Foi disseminada a crença de que os cabelos crespos são cabelos ruins, são cabelos que não crescem, são cabelos que não tem paciência, que não tem brilho. A crença de que o cabelo é ruim e de que é o cabelo que jamais vai poder ser aceito numa entrevista de emprego, numa balada, ou em uma festa de casamento é a negação da própria identidade”, diz a escritora.
com informações de G1 e Palavra Preta
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