Educação

A Reforma do Ensino Médio é uma estratégia para a manutenção das Desigualdades Sociais e Raciais

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Wallison Ulisses Silva dos Santos*, Pragmatismo Político

Quase todos os brasileiros já leram ou ouviram falar da reforma do ensino médio proposta pelo governo federal e aprovada pelo poder legislativo no mês de fevereiro, isso devido aos enormes gastos governamentais com propagandas para convencer a população que esta medida trata-se de um avanço para a cambaleante educação brasileira.

A reforma não foi bem recebida pelos brasileiros por tirar a obrigatoriedade de várias disciplinas como: história, geografia, biologia, física e química. Já em relação à sociologia e filosofia o governo realizou um belo jogo de palavras para ludibriar os brasileiros, pois estas serão obrigatórias como conteúdo e não como disciplina. Desta forma, sociologia e filosofia serão ensinadas dentro de matérias como história e filosofia e ai está à ilusão de palavras, pois ora, história e geografia não serão mais obrigatórias nos três anos do ensino médio, sendo assim sociologia e filosofia também não serão.

As críticas acima foram as mais realizadas em relação à reforma, mas não é sobre elas que quero dialogar com você leitor. O mais interessante é o parágrafo onze do artigo quarto que estabelece: “Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação à distância com notório reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação:”

Essa parte da Medida Provisória ataca de duas formas possíveis a educação pública brasileira. Primeiramente possibilita que parte do ensino seja ofertado a distância, ou seja, o novo Ensino Médio EAD do Brasil. E nessa parte podemos fazer uma ressalva, o ensino a distância (EAD) pode ser uma boa estratégia para levar a educação de nível superior a cidades pequenas e do interior onde não há a viabilidade de orçamento público ou de oportunidades de lucro para a instalação e manutenção de uma universidade ou como uma plataforma auxiliar para o ensino presencial de nível superior. Desta forma a educação a distância têm os seus benefícios para educação de nível superior, mas usá-la no ensino médio é um crime à pedagogia e ao bom senso.

Outro ponto maquiavélico deste mesmo parágrafo é que ele permite o início da privatização da educação pública, já que parte do ensino poderá ser realizado pelas instituições privadas de ensino a distância.

Agora vamos à parte mais forte desta tramoia governamental. Segundo a MP o aluno poderá escolher entre as disciplinas onde quer concentrar os seus estudos ou realizar cursos técnicos. Todavia, este direito de escolha só poderá ser concretizado se todas as escolas públicas oferecerem todas as opções de áreas do conhecimento o que demandará mais salas de aulas, mais materiais, mais profissionais. Porém antes da aprovação desta reforma o governo empurrou goela abaixo do povo brasileiro o congelamento dos gastos governamentais por vinte anos (Projeto de Emenda Constitucional 55/241) que afeta inclusive a educação e saúde. Agora façamos a seguinte pergunta, Como aumentar a carga horária do ensino médio e oferecer diversas áreas do conhecimento para os alunos com o orçamento da educação congelado por vinte anos?

A resposta mais provável é que nem todas as escolas irão ofertar todas as áreas de conhecimento, assim não haverá essa educação mais democrática que o governo está prometendo. Uma reforma semelhante à brasileira foi implantada na Espanha e segundo os professores Ramón Flecha e Iolanda Tortajada houve um predomínio da oferta do ensino médio com cursos técnicos nas áreas periféricas. O efeito disso é que as escolas passam a formar os alunos da periferia para serem técnicos e as escolas particulares formarão seus alunos para serem o que eles quiserem, logo a escolha só será permitida para os que podem pagar, o que é quase um mandamento da educação neoliberal.

O resultado desta reforma provavelmente será o aumento das disparidades sociais e raciais na educação no nível superior, em outras palavras, os cursos de bacharéis voltarão a ser cada vez mais um titulo de nobreza como eram no Brasil há 20 ou 30 anos atrás.

Mas o leitor merece algo que pouco se faz na imprensa atual do Brasil, dados e fatos para formar a sua própria opinião. O gráfico abaixo traz as informações sobre a quantidade de pessoas que frequentavam um curso de nível superior nos ano de 2000 e 2010 por cor ou raça.

Estas informações dos sensos do IBGE mostram que no ano de 2000 os alunos brancos eram 79% dos universitários, sendo que os pardos eram 17% e os alunos negros representavam apenas 2%, os amarelos 1% e os indígenas não representavam sequer 1%. No ano de 2010 em relação a 2000 a percentagem de brancos caiu de 79% para 73%, os de pardos aumentou de 17% para 21%, os de alunos negros aumentaram de 2% para 4%. Em relação ao número de alunos indígenas, embora o senso mostre que o número destes tenham aumentado eles não chegam a representar 1% do total.
Os números mostram que entre 2000 e 2010 o número de alunos negros duplicou no Brasil, tendo aumentado também o número de alunos universitários indígenas, pardos e amarelos. Todavia, a educação ainda tem cor e renda no Brasil, persiste a característica básica de alunos universitários brancos e de renda familiar alta.

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A sensível melhora que ocorreu nos últimos anos pode ser prejudicada caso o novo ensino médio não ofereça todas as áreas do conhecimento em todas as escolas, preparando o jovem da periferia para ser um eterno operário e aqueles que podem pagar para sonhar e ser o que desejar. Desta forma e educação de nível superior poderá voltar a ser apenas para as famílias de rendas elevadas o que servirá para justificar salários altos para os nobres bacharéis e apenas a sobrevivência para os operários da periferia, assim a meritocracia irá servir para justificar a concentração de renda, pois apenas os “esforçados e estudiosos” filhos da burguesia terão os brasões de bacharéis.

A Medida Provisória do Governo Temer não foi mal elaborada, ao contrário, foi pensada nos mínimos detalhes para reverter o processo de democratização que o Brasil vinha experimentando nos últimos anos, tornando a educação não uma estratégia para a democracia plena, mas sim para a segregação social e racial. A meritocracia torna-se então a base ideológica e a educação a estratégia de segregação e assim seguimos a passos largos para Idade Média ao modo brasileiro.

*Wallison Ulisses Silva dos Santos é economista e mestre em economia pela UFMT, especializando-se em Direito Trabalhista pela UNOPAR, professor de economia no Instituto Cuiabano de Educação (ICE), assessor econômico da Associação dos Revendedores de Veículos do Estado de Mato Grosso (AGENCIAUTO MT), membro da Associação Sustentabilidade para Todos MT e colabora para Pragmatismo Político

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