Luís Felipe Machado de Genaro*, Pragmatismo Político
Desferido o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff, se deu inicio ao projeto “Ponte para o Futuro”, orquestrado por setores à direita no Parlamento e uma classe empresarial contrária à consolidação de direitos sociais importantes para as classes trabalhadoras brasileiras. Da boca do traidor Michel Temer saíram as palavras que esperavam os que ainda não acreditavam em um complô político-econômico-midiático contra Dilma: o impeachment ocorreu por que a senhora presidenta não concordou em levar a cabo a Ponte de Jucá, Gilmar, Aécio, Renan, Cunha e outros.
Não obstante, a análise precisa ser mais profunda – e honesta. O governo Dilma vinha sistematicamente ceifando direitos, principalmente durante a gestão de seu ministro Levy à pasta da Fazenda. Era certo que em alguns pontos o seu governo freava o projeto neoliberal, acatando uma ou outra ordem dos andares de cima, mas nada além. Quando a conciliação petista se rompeu e a onda conservadora saiu às ruas, as forças políticas, financeiras e midiáticas enxergaram o momento-chave para agir. Eles já não toleravam tais obstáculos. Era tempo de abraçar o velho neoliberalismo dos anos 90, reformulado. Isso só seria possível retirando Dilma da presidência pelas vias de um golpe branco.
Com um Congresso Nacional reacionário, afastado de seu eleitorado e da população em geral, foi construído. um novo pacto, dando fim a Nova República. Como um grande rolo compressor, os parcos direitos conquistados seriam sistematicamente suprimidos, esfriados, corroídos. Para o patronato nacional – entreguista, atrasado e truculento – os trabalhadores no Brasil ganham muito e possuem muitos direitos. O que dirão da previdência, da CLT, entre outras coisas, é melhor não sabermos. No entanto, dado os projetos e as antirreformas propostas por Temer e aliados, como a previdenciária e a trabalhista, conseguimos imaginar.
Ao olharmos para o Brasil do tempo presente não devemos analisar a sua conjuntura política na perspectiva palaciana, a respeito das intrigas entre as grandes forças eleitorais e ideológicas que jogam um jogo complexo nos corredores de Brasília, mas na perspectiva dos que podem mover os pêndulos desta mesma conjuntura: as classes trabalhadoras, as massas combativas, associações de bairro e os novos e velhos movimentos sociais.
Com as forças conservadoras arrefecidas e desgastadas, como vimos nas últimas “manifestações” do Movimento Brasil Livre e do Vem pra Rua, no último domingo (26/03), chegou o momento de a esquerda entrar em campo e reconquistar de forma definitiva um espaço que historicamente lhe pertence: as praças e avenidas. Há tempos tais espaços de protesto foram tomados por grupos que muito além de um antipetismo cego, trazem consigo o ovo da serpente – pedem o fim do estatuto do desarmamento, a intervenção militar na política, uma escola “sem partido”, entre outras barbaridades.
A união de movimentos sociais por moradia e terra com as grandes centrais sindicais e sindicatos locais não-pelegos é necessária e urgente. Agrupamentos à esquerda, estudantes e professores, sem contar intelectuais engajados nas principais universidades públicas devem estar à frente dado os próximos passos – dia 31 de Março e 28 de Abril. As frentes que reúnem os inúmeros movimentos citados (Povo Sem Medo e Brasil Popular) precisam conjugar forças contra as antirreformas de Temer, propondo uma agenda estrutural de mudanças progressistas. Sair às ruas sem um projeto de país pode ser perigoso, ainda mais no momento atual. Radicalizar o discurso e as ações perante as forças políticas, policiais, midiáticas e financeiras precisa ser uma realidade.
Afastado dos representados, os representantes já não os escutam. A única linguagem que compreendem é a da força e da manipulação rasteira. A greve geral marcada para o dia 28 de abril dá a eles tempo suficiente para as forças de repressão e segurança se organizarem e, caso necessário, montarem estratégias de contenção. É visível que a casta política está em descrédito, até mesmo pela categoria de policiais. No entanto, há quem manda e quem obedece. E nós sabemos que o tentáculo repressivo do Estado sempre obedece.
Se um governo de centro-esquerda debulhou a sua base social logo ao ser eleito, o que dizer de uma gestão que mal possui 10% de aprovação popular, não foi eleito e semanalmente propõe o fim de direitos sociais e trabalhistas, além da extinção de programas habitacionais e educacionais? Na Argentina de Macri as manifestações contra o aumento da pobreza, o ajuste fiscal e casos de corrupção por quem possuía discurso moralista e modernizante, não cessam; no Equador prestes a eleger o seu próximo mandatário, a população está nas ruas ao lado do candidato Lênin Moreno, à esquerda. A América Latina possui histórico de lutas e resistência ao longo de sua História. O Brasil precisa olhar para os irmãos do Sul, abraçando tais exemplos.
A dificuldade reside na quantidade de propostas, linhas ideológicas e fragmentações dentro da esquerda brasileira – divisões históricas. Enquanto o ringue está montado na ala progressista, a direita e a extrema-direita caminham a passos largos, nas redes e nas ruas. Ou não é preocupante, por exemplo, essa onda de empresários “empreendedores” e “bem sucedidos” na esfera eleitoral e no debate político? Vide João Dória e a sua cidade cinza, ordeira e disciplinada, como um grande lojão onde o servidor público não passa de um atendente, e a população, de consumidores.
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A questão central, no entanto, não deve ser as eleições de 2018, mas 1) a retomada dos espaços de pertença e identidade da esquerda brasileira, 2) a contundência de discursos e ações quando o enfrentamento for necessário e 3) a construção de um projeto nacional onde as grandes reformas de base – agrária, universitária, tributária, urbana, etc. – se tornem viáveis e ocorram de baixo para cima. Não sob o manto dos palácios, mas das praças.
Não descarto a importância de refletirmos sobre as próximas eleições, visto que personagens macabros como Jair Bolsonaro provavelmente estarão na corrida para o Planalto. Contudo, não apontemos para um ex-presidente e achemos que salvará ele a Pátria em um piscar de olhos. Não cometamos os mesmos erros do passado. Passado que de tão recente, nos afoga.
*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador, mestrando pela UFPR e colaborou para Pragmatismo Político
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