O hino da demarcação de terras indígenas cantado por mais de 20 artistas
Zeca Pagodinho, Maria Bethânia, Nando Reis, Ney Mato Grosso, Zeca Baleiro e outros artistas soltam a voz em defesa da retomada das demarcações de terras indígenas, suspensas por determinação de Michel Temer. Assista ao videoclipe
De Gilberto Gil a Zeca Pagodinho; de Zeca Baleiro a Letícia Sabatella, passando por Ney Mato Grosso, Lenine e Maria Bethânia. Mais de 20 artistas da música popular brasileira e do teatro gravaram um hino à demarcação de terras indígenas no pais. O videoclipe da canção “Demarcação Já”, de Carlos Renno e Chico Cesar, foi divulgado nessa segunda-feira (24), como parte das ações da Mobilização Nacional Indígena, que prevê uma série de atos e protestos em Brasília até a próxima sexta-feira (28).
“É um grito de luta”, diz Gilberto Gil, que foi ministro da Cultura no governo Lula. “A gente não pode deixar o que ainda resta, que é tão pouco, quase nada, não ser protegido”, explica Lenine. A composição da música (confira a letra abaixo) é uma iniciativa do Greenpeace, do Instituto Socioambiental e da Bem-te-vi, em parceria com as produtoras Cinedelia e O2.
Confira quem participou da gravação:
Ney Matogrosso
Maria Bethânia
Gilberto Gil
Djuena Tikuna
Zeca Pagodinho
Zeca Baleiro
Arnaldo Antunes
Nando Reis
Lenine
Elza Soares
Lirinha – José Paes de Lira
Leticia Sabatella
José Celso Martinez Corrêa
Tetê Espíndola
Edgard Scandurra
Zélia Duncan
Jaques Morelenbaum
Dona Onete
Felipe Cordeiro
Criolo
Marlui Miranda
BaianaSystem
Margareth Menezes
Céu
Com participação de:
Eduardo Viveiros de Castro
André Vallias
Ailton Krenak
Demarcação paralisada
A demarcação de terras indígenas no Brasil está parada desde que o presidente Michel Temer assumiu o Planalto, ainda de forma interina. Desde 29 de abril de 2016, nenhum decreto homologando demarcação de terras foi assinado por Temer. Há 72 áreas à espera da assinatura do presidente.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) também tem sido esvaziada, com corte de cargos e verbas e fechamento de unidades. As ingerências políticas no órgão também têm sido frequentes.
Como informou em primeira mão o Congresso em Foco, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB), decidiu demitir o presidente da Funai, Antônio Fernandes Toninho Costa, e substituí-lo por um representante da bancada ruralista no Legislativo. A demissão foi exigida pelo líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), porque o presidente da entidade responsável pela gestão das terras indígenas não aceitou nomear 25 pessoas indicadas por ele desde que a nova direção da fundação tomou posse.
A decisão política de demitir Antônio Costa foi tomada por Serraglio na quarta-feira (19), data em que se comemora o Dia do Índio, e assustou o presidente da Funai. Os 25 nomes impostos por André Moura para serem contratados pela Funai não são de carreira do órgão. O deputado exigiu que fossem nomeados nas áreas de finanças e de gestão da fundação. Alguns nomes que o ministro deve confirmar vão ocupar superintendências em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, Roraima e em Mato Grosso do Sul.
A entidade também convive com cortes orçamentários. No ano passado, o orçamento executado foi de R$ 531 milhões – praticamente o mesmo valor de 2015 (R$ 534 milhões). Descontada a inflação, a perda foi de quase 11%. Em setembro do ano passado um decreto estipulou um corte de 38% dos recursos para custeio e investimento na Funai.
Segundo o Censo de 2010, 817 mil indígenas vivem no país. Estima-se que eram 3 milhões em 1500, quando os portugueses desembarcaram por aqui pela primeira vez.
Nessa segunda, começou a 14ª edição do Acampamento Terra Livre, que já reúne cerca de 3 mil indígenas, de cem povos diferentes e de todas as regiões do país, em Brasília, para uma agenda de protestos, atos públicos, audiências com autoridades, debates e atividades culturais que durará toda a semana.
O acampamento começou a tomar forma pela manhã, ocupando o gramado ao lado do Teatro Nacional de Brasília. Durante a tarde e o início da noite, representantes e delegações indígenas de todas as regiões do Brasil tomaram o local por completo.
Assista ao clipe:
Confira a letra de “Demarcação já” (letra de Carlos Rennó e música de Chico César):
“Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,
Tal como o povo kadiwéu e o panará
– Demarcação já!
Demarcação já!
Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:
A do tupinambá –
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,
Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,
Ah!,
Demarcação já!
Demarcação já!
E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;
Hum… Bah!
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que por retrospecto só o autóc
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata
–Sem a qual a água acabará –,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração
E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ‘tudo que não presta’”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,
E já que o que ele quer é o que é dele já,
Demarcação, “tá”?
Demarcação já!
Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,
Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,
Demarcação lá!
Demarcação já!
Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação
De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois índio pode ter iPad, freezer, TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia
Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,
Já velho ou jovem ou – pior – piá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto
Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,
Xará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara
E a flor de maracujá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade
De seres vivos que na Terra ainda há,
Demarcação já!
Demarcação já!
Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,
Que nessa barca junto todo mundo “tá”,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,
E sobre a humanidade o céu cairá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu
Ao deus-dará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,
Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,
Milícias nem polícias os afrontem.
Vrá!
Demarcação ontem!
Demarcação já!
E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.”