João Miranda*, Pragmatismo Político
A pouco tempo de completar 100 dias de mandato, Donald Trump impôs o seu eu militar ao lançar 59 mísseis Tomahawk na Síria. O alvo foi a base aérea de Shayrat, em Homs, no norte do país, supostamente em represália pelo bombardeio com armas químicas que matou mais de 80 pessoas e cuja responsabilidade é atribuída pelos EUA ao presidente sírio Bashar Al-Assad.
Uma semana depois, Trump novamente assusta o mundo com outra investida, desta vez no Afeganistão, onde foi jogado a MOAB GBU-43, conhecida como “a mãe de todas as bombas”. O artefato é o maior não-nuclear dos Estados Unidos e teve como alvo um esconderijo do Estado Islâmico.
Durante sua campanha eleitoral o presidente republicano repetiu à exaustão que envolveria o país em mais conflitos externos. Em fevereiro o seu governo declarou que aumentaria em R$ 54 bilhões os gastos militares de defesa do país. Esse salto no orçamento de defesa foi considerado o maior desde o período posterior aos atentados do 11 de setembro e deixava claro que seria cumprida a promessa de intensificação dos confrontos bélicos.
Agora estamos assistindo os primeiros desdobramentos desse realinhamento. E novamente vemos o mundo em turbulência. O cenário aumenta a tensão não apenas no Oriente Médio como também coloca em rota de colisão os interesses do grande capital norte-americano com de outros países, como a Rússia. Os interesses político-econômicos russos, coordenados pelo ex-chefe da KGB, Vladimir Putin, ansioso por recuperar o espaço geopolítico ocupado pela antiga União Soviética, também estão em cheque. Diante disso, Putin já articula o seu poderio militar. Sites militares indicam que começaram a ser reforçadas por Moscou as defesas antiaéreas sírias. Além disso, a Rússia mandou pela primeira vez para o Báltico o Akula (tubarão), submarino nuclear com 20 mísseis e 200 ogivas. Dimitri Medvedev, primeiro-ministro russo, alerta EUA, dizendo que Washington está a um passo da guerra.
O bombardeio Sírio também entra em entrechoque com os interesses dos conglomerados e da ditadura sem rosto chinesa, que, com interesses programáticos e mercantis, apoia o regime de Assad. Os grupos políticos e financeiros chineses querem o Oriente Médio o mais estável possível para que não haja grandes variações do preço do petróleo, nem alterações no comércio global. Para possibilitar isso, o regime autoritário de Pequim não vê problemas em apoiar um ditador, ainda que este atente contra a população do país.
Além dessa posição entrar em conflito com a norte-americana, a relação entre ambos países já era instável há muito tempo, desde que a China inundou o planeta com os seus artigos baratos fruto da exploração de trabalhadores e agressão ao ambiente. Isso tem causado impacto tanto na economia norte-americana, quanto na geopolítica russa e de vários outros países em todo o mundo.
Diante do aumento do poder político e econômico da China, os EUA poderiam estar envolvidos na intensificação da instabilidade no Oriente Médio para atingir essa grande potência mundial. Para contra-arrestar a presença do gigante oriental na economia ocidental, o governo norteamericano também pode estar envolvido com a instabilidade da representação democrática na América Latina, por meio da destituição de governos progressistas numa região que convive com a democracia há apenas uma geração. E, por meio disso, desconfigurar a cooperação Sul-Sul.
Essa cooperação é um processo de articulação política e de intercâmbio econômico, científico, tecnológico, cultural e outras áreas, entre países da América Latina, África e Ásia, sendo a China um dos principais parceiros. Não me espantaria, portanto, se os EUA estiverem ligados ao movimento de enfraquecimento das democracias dos países latino-americanos, de modo a reaproxima-los de suas articulações mercantis e, consequentemente, afasta-los da China. Se non è vero, è bene trovato.
Os bombardeios também aumentam as tensões com o perigo atômico encarnado no mimado ditador norte-coreano Kim Jong-un. Recentemente, o regime de Pyongyang garantiu que a Coreia do Norte está preparada para responder a qualquer ataque nuclear pelos mesmos meios. Neste momento um grupo de porta-aviões norte-americano se dirige à região em meio a temores de que os norte-coreanos possam conduzir um sexto teste de armas. Sobrevôos estadunidenses sobre a Coreia do Norte acontecem desde quarta (12). Um relatório dos analistas do “38 North”, site de referência sobre o regime norte-coreano, assegura que o local dos testes nucleares Punggye-ri, no norte do país, está “preparado e pronto”. Muitos observadores suspeitam que o regime poderia lançar a qualquer momento um novo teste nuclear ou balístico, ambos proibidos pela comunidade internacional.
O Exército norte-coreano informou nesta sexta-feira (14) que “devastará impiedosamente” os Estados Unidos se Washington decidir atacar. Neste sábado (15), o regime fez uma demonstração de força através do desfile militar o “Dia do Sol”, data do nascimento do líder fundador da dinastia, Kim Il-Sung (15 de abril de 1912 – 8 de julho de 1994), avô do atual líder norte-coreano. O objetivo era enviar uma mensagem a Washington, Seul, Tóquio e demais países sobre as suas capacidades militares.
Em face de toda a turbulência geopolítica atual intensificada com o ataque norte-americano à Síria e ao Afeganistão, pode ocorrer também o recrudescimento dos atentados terroristas fomentados pelo fundamentalismo islâmico, fenômeno típico do nosso século. Pelo menos 94 membros do Estado Islâmico (EI) morreram no ataque em que os Estados Unidos utilizaram “a mãe de todas as bombas”, informou nesta sexta-feira (14) o Ministério da Defesa Afegão. Além disso, o projétil destruiu uma importante instalação desse grupo terrorista. Tudo isso gera ainda mais turbulências geopolíticas.
Observamos ainda a intensificação do discurso xenofóbico e ultranacionalista da extrema direita que varre várias partes do mundo, principalmente a Europa.
Diante de todas essas turbulências na ordem internacional, um clima de suspense cresce a cada dia em todo o planeta. O medo de uma possível grande guerra nuclear invade o cotidiano de qualquer um que esteja acompanhando minimamente as notícias internacionais. O nível de tensão é máximo. China declara que uma guerra entre Coreia do Norte e EUA pode começar a qualquer momento. A diplomacia chinesa é cautelosa e não faz parte de sua estratégia plantar tensão desnecessária. Essa declaração, assim, é assustadora.
Na atuais condições e com os atuais atores, o mundo prende a respiração. O prelúdio de tempos mais sombrios parece estar sendo desenhado no horizonte. Resta-nos torcer pelo contrário.
*João Miranda é acadêmico de História na Universidade Estadual de Ponta Grossa, foi colunista do Jornal da Manhã e colaborou para Pragmatismo Político.
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