Hoje em dia, vendo a barbárie grassar, a intolerância ferir e matar, a ignorância cultural se expandir a partir de suas imagens e locuções, e os Poderes aos seus pés, só é possível entender o Brasil pelo o que dita o núcleo duro da Globo
Rui Marin Daher, Carta Capital
Desde que no ano passado o Brasil mergulhou na instabilidade política, apenas 31 anos depois de ter voltado ao regime democrático, tenho encontrado dificuldade em escrever sobre agropecuária, agronegócio e seus atores. Até porque, predominando aí temas tecnológicos e econômicos, os babadores de crises ainda não tinham motivos ou coragem para leva-las até o setor.
Poderia até ter relegado o tema e assumido a levada política, como o faz Ronaldo Caiado, desde que estreou sua coluna “de agronegócios” na Folha de São Paulo. Não tendo nunca me filiado a partido nem assumido cargos políticos, meu berrante é diferente do dele. Afligem-me as repercussões do protecionismo diante de nossas exportações, os cuidados com a preservação ambiental e os direitos sociais dos pequenos proprietários e trabalhadores do campo. Preferi, então, insistir.
Não me dei mal. Muito do que aconteceu na agropecuária nos últimos seis meses foi antecipado na coluna. Novidades, vieses, projeções existirão, apesar de nem sempre sabermos a que se destinam (música incidental ‘Cajuína’). Ainda mais quando se tira o umbigo da paróquia para analisar as mudanças que ocorrem no planeta e que influenciam o desempenho do agronegócio nacional. A conjuntura no complexo de carnes é um exemplo recentíssimo. Não parará por aí. Pescados, madeiras, complexo soja, minérios, bancos devem ser olhados com cuidado.
Apesar de ser isso o que esperam meus editores, nesta coluna os irei contrariar. Quando trato de assuntos fora da agropecuária, em meu blog (GGN), costumo trocar o berrante pela AK-47. É o que farei aqui.
O País está sendo destruído pela pior etapa do acordo secular de elites desde o período de Colônia. Auge que une interesses financeiros com ignorância, ódio e preconceito. Tsunami canalha irreversível.
Pois bem, trago-os à presença de Francelino Pereira dos Santos, piauiense, vivo aos 95 anos, que as gerações próximas à minha certamente conhecem e as demais deveriam pesquisar.
Governador de Minas Gerais (1979/1983), pela ARENA, em eleição indireta, quando Ernesto Geisel anunciou que em seu projeto de abertura lenta e gradual estava a eleição direta para governadores, Francelino embarcou na do presidente-general e soltou sua construção mais famosa e inesquecível: “Que país é este, no qual as pessoas não confiam na firme vontade política do presidente da República de levar adiante a decisão amadurecida e consistente de dar continuidade à plena redemocratização?”
Diante do crescimento da oposição (MDB), Geisel deu para trás, e mais uma vez as eleições foram por via indireta. Até hoje Francelino está sem resposta de “que país é este”?
Dr. Francelino, gostaria que a sua vida fosse ainda mais longa. Nunca se sabe. Mas ir-se sem ter sua resposta não é justo. Piauiense, radicado em Minas, deve ainda acompanhar as folhas e telas cotidianas e atônito perceber que a sua dúvida se generalizou por todo o País.
Quem sabe à minha maneira, eu possa ajudá-lo. Vamos tentar entende-lo a partir de um momento da história vivido por nós dois, embora em lados opostos. Os senhores fizeram um movimento e derrubaram o presidente João Goulart. Mais jovem, faço-lhe uma concessão educada. Esquecerei as firulas terminológicas da esquerda e, no lugar de Golpe Civil-Militar, o chamarei de Revolução de 1964. Contente?
Vamos em frente. No bojo de um período de 21 anos, os senhores inventaram um bocado de coisas que não cabe aqui discutir. A maioria ruim, algumas boas, admito. Umas e outras ficam para outro dia. A mais importante, no entanto, foi moldar, creio, por pelo menos mais um século, a identidade da nação brasileiro, a ponto de eu poder responder-lhe: “Este país é a Rede Globo”.
Experiente e estudado o senhor deve conhecer as origens do povo brasileiro conforme expostas pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Pois considere o País, como dos crioulos, caboclos, sertanejos, caipiras, gaúchos e imigrantes.
Dr. Francelino, contra a minha vontade que, jovem, lutava e via morrer amigos, os senhores anularam toda essa diversidade, e se alinharam com uma família marítima para e moldarem nossos povos à feição do empresário Roberto Marinho.
Este o País, Dr. Francelino, o espírito do Dr. Roberto, que fez dos divergentes adeptos, massa de manobra, ou, se divergentes, perseguidos.
Hoje em dia, vendo a barbárie grassar, a intolerância ferir e matar, a ignorância cultural se expandir a partir de suas imagens e locuções, e os Poderes aos seus pés, só consigo entender o país pelo o que dita o núcleo duro da Globo.
O Legislativo espera quem será o execrado das oito e meia da noite. O Judiciário ensaia palavras para acatar seus comandos. Surge um Executivo com aprovação popular inédita, entra na sua, e capitula. Este o País, Dr. Francelino, que o senhor ajudou a perpetuar.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook