Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Participei duma manifestação no agora histórico último 28 de abril. Presentes dezenas de pessoas. Não identifiquei vagabundos. Havia estudantes que terão que recuperar o dia letivo num sábado, com aulas lecionadas por professores que se faziam presentes. Também foram servidores do Município, do ex-estado do Rio Grande do Sul e da União. Todos já estão definindo a forma de compensar esse dia.
Eu sempre estou naturalmente com fome. E há horas sem comer e em pé e, posteriormente, caminhando, fiquei faminto. Não achei, contudo, a fila do pão com mortadela. Com toucinho, por favor. E nem com quem eu tinha que falar pra pegar meus trinta pilas, que ajudariam na gasolina.
Não foram queimados pneus ou lixeiras. O único fogo que vi foi dum senhor que acendia um cigarro noutro. Esse com certeza morrerá de câncer antes de conseguir se aposentar conforme a nova regra da Destruição da Previdência, proposta pelo governo golpista. O único ato de vandalismo que vi foi a ofensa à gramática nalguns cartazes. Não se separa o sujeito do verbo. O correto é: “quem votar a favor das reformas não voltará.” Sem vírgula em qualquer parte. E “fora Temer!” enseja o ponto de exclamação.
A manifestação foi apoiada por sindicatos. Pago por opção o sindicato que me representa. O único privilégio que tenho com isso é a tese de que ele defende meus interesses. Quando vou às assembleias, os custos com transporte correm à minha conta. E não falto o trabalho pra isso.
Alguns partidos políticos, de esquerda, obviamente, também organizaram as manifestações no Brasil. Na que participei, utilizaram o microfone pessoas que falaram mal de todos os partidos e um sindicalista discursou contra o Lula e o PT.
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Trancamos duas vezes por quinze minutos a RS 122, uma das mais importantes e mais movimentadas do ex-Estado. Deixamos as ambulâncias passarem. Enquanto o trânsito – sagrado no Brasil – era interrompido, explicávamos aos motoristas o motivo da paralisação e entregávamos materiais. O primeiro veículo da fila era um caminhão da Brigada Militar, que ligou a sirene em nosso corroboramento. Pra cada dezena de buzinada de apoio, recebíamos, se muito, um xingamento. Além de vagabundo, éramos acusados, como se fosse ofensa, de petista.
Nossa manifestação foi relativamente pequena. Mas tenho convicção – que ter convicção, e apenas isso, parece estar na moda – que outras muito maiores e com a mesma pacificidade e apoio ocorreram. Só que essas não são divulgadas pela mídia. Não interessa à grande imprensa as legítimas manifestações contra as ilegítimas destruições.
*Delmar Bertuol é escritor, professor de história, membro da Academia Montenegrina de Letras e colaborou para Pragmatismo Político
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