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O general de Temer por trás da decisão de convocar os militares às ruas

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Por trás do decreto (já revogado) que convocou as Forças Armadas, um nome parece ter passado batido. Conheça o general de Michel Temer que assinou o decreto juntamente com o presidente e com o Raul Jungmann

General Sérgio Westphalen Etchegoyen e Michel Temer (reprodução)

Ana Pompeu*, Congresso em Foco

Enquanto as presidências da República, por meio do ministro da Defesa, Raul Jungmann, e da Câmara dos Deputados, com Rodrigo Maia, jogavam a autoria do decreto que acionou as Forças Armadas para atuar em manifestações populares de um lado para o outro, um nome parece ter passado batido. No entanto, é muito provável que a decisão tenha a paternidade do general-de-Exército Sérgio Westphalen Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que assina o decreto juntamente com o presidente Michel Temer e Jungmann.

A Força Nacional responde ao Ministério da Justiça. É composta por policiais civis e militares, bombeiros, peritos forenses e militares que prestam serviços temporários. Foi a ela que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recorreu, de acordo com ofício que divulgou. As Forças Armadas são subordinadas ao Ministério da Defesa. É formada por militares do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. Ainda ontem senadores identificaram as digitais de Etchegoyen no controverso documento de Temer e passaram a avaliar a convocação dele para dar explicações na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.

As primeiras canetadas do presidente Michel Temer, quando ainda interino, fizeram o país retroceder anos em conquistas sociais. Logo no primeiro pacote de medidas publicadas, ele recriou o Gabinete de Segurança Institucional, extinto em 2015 por Dilma Rousseff em sua reforma ministerial, e nomeou o general-de-Exército Sérgio Westphalen Etchegoyen para chefiar a pasta. A escolha engrossa a lista conservadora da equipe mais próxima do presidente. A nomeação de um crítico notório da Comissão Nacional da Verdade tomada na semana em que se celebrou os quatro anos da criação daquela comissão já era emblemática. Era mais um anúncio da guinada à direita e mudança do viés ideológico, sem consulta popular, do novo governo, colocando-o cada vez mais distante dos reais anseios da sociedade.

Outra mudança promovida assim que assumiu interinamente a chefia do Executivo foi submeter a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ao GSI. Tomada sem discussão anterior com o comando da Abin, a decisão gerou turbulência no setor e o pedido de demissão do diretor-geral da agência, Wilson Roberto Trezza, que estava havia oito anos no comando da Abin. A queixa era estar sob a chefia de um militar e mais distante do presidente da República. Oficiais de inteligência também se manifestaram por meio de nota e reclamaram do “total desconhecimento sobre a atividade de Inteligência” e de posições dadas por ele em que “desacredita o trabalho da agência por ser composta por civis”.

Em 2014, o ministro do GSI foi o primeiro oficial de alta patente a se manifestar sobre a divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída em 2012 para investigar crimes de lesa-humanidade praticados pelo Estado durante os períodos ditatoriais do país. O pai dele, o general Leo Guedes Etchegoyen, foi citado no documento entre os 377 agentes do Estado considerados responsáveis por graves violações de direitos humanos na época do regime militar (1964-1985).

Ele morreu em 2013, antes da divulgação do relatório final da entidade. Em 2014, o hoje ministro da GSI saiu em defesa do pai e protestou contra a inclusão de seu nome na lista. Em nota, afirmou que as conclusões da comissão tinham o propósito de “puramente denegrir” a imagem da família. Além disso, ainda classificou o trabalho como “patético e leviano”.

O Brasil se viu entregue, há um ano, a um governo ilegítimo, fruto de um golpe institucional, que age com pressa para efetuar mudanças profundas nas políticas empreendidas nos últimos anos. Além de extinguir pastas ligadas à defesa dos direitos humanos por meio de medida provisória, colocou o novo Ministério da Justiça e Cidadania nas mãos do jurista Alexandre de Moraes, alguém com histórico de truculência à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

À convite do governador Geraldo Alckmin (PSDB), ele assumiu a pasta paulista e se tornou responsável pelas ações violentas contra estudantes secundaristas e movimentos sociais na capital paulista, além de ter se pronunciado sobre “combater atitudes criminosas dos movimentos sociais”. Hoje, Alexandre é ministro do Supremo Tribunal Federal e poderá ser chamado a julgar o presidente que o indicou para o cargo. O atual titular da pasta, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), tem mais afinidade com a bancada ruralista do que com a Justiça.

Reguladas pela Constituição Federal, as operações de Garantia da Lei e da Ordem concedem provisoriamente aos militares a faculdade de atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade. Nessas ações, as Forças Armadas agem de forma episódica, em área restrita e por tempo limitado, com o objetivo de preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Até o comandante do Exército, general Eduardo da Costa Villas Bôas, deu declarações nessa quarta-feira, 24, mostrando que o clima no comando da instituição e no Palácio do Planalto é de “choque” e “muita insegurança”. “Acredito que a polícia deva ter ainda a capacidade de preservar a ordem”, disse o general, referindo-se à Polícia Militar do Distrito Federal — que já agia com truculência e repressão desmedidas.

Ao recrutar Etchegoyen, Temer se aproveitou da insatisfação do general com a extinção do GSI, em 2015, e ainda se aproximou dos militares, garantindo apoio, mesmo que por meio de alguém com histórico polêmico. Todo esse caminho nos traz ao agravamento da crise nos últimos dias. A ação desproporcional de Temer não é um erro de avaliação. É o retrato de um governo autoritário e anti-democrático desde a sua constituição. Mesmo no anúncio da revogação, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, em nome do presidente, disse: “Não há democracia sem ordem”.

O simbolismo que essas ações representam e a concretude que essas decisões nos dão a real dimensão do quanto será necessário resistir e lutar. Ainda mais quando à frente do GSI está alguém com visão distorcida, para dizer o mínimo, sobre democracia, legitimidade de manifestação, liberdade de expressão. Vai ter luta!

*Ana Pompeu é jornalista formada pela Universidade de Brasília (Unb).

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