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Corrupção 26/Jun/2017 às 14:30 COMENTÁRIOS
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Leonardo Boff: Assim como está, o Brasil não pode continuar

Leonardo Boff Leonardo Boff
Publicado em 26 Jun, 2017 às 14h30

Estamos num voo cego em um avião sem piloto. Há poucos que ousam apresentar um novo sonho para o Brasil. O projeto dos que deram o golpe parlamentar é do mais radical neoliberalismo, em crise no mundo inteiro

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Leonardo Boff*

Seguramente não estou enganado se disser o que se está passando na cabeça das pessoas e se ouve por todas as partes: assim como está, o Brasil não pode continuar.

A corrupção generalizada, porque foi naturalizada, contaminou todas as instâncias públicas e privadas. A política apodreceu.

A maioria dos parlamentares não representa o povo, mas os interesses das empresas que financiaram suas campanhas eleitorais. São velhistas, perpetuando a política tradicional das coligações espúrias, das negociatas e dos conchavos a céu aberto.

O atual presidente não mostra nenhuma grandeza, pois não pensa no povo e nas graves consequências de suas medidas sociais, mas em sua biografia. Entrará seguramente na história. Mas como o presidente das anti-reformas, o presidente ilegítimo do anti-povo que desmantelou os poucos avanços sociais que beneficiavam as grandes maiorias sempre maltratadas.

O projeto dos que deram o golpe parlamentar é do mais radical neoliberalismo, em crise no mundo inteiro, que se expressa pelas aceleradas privatizações e pelo atrelamento do Brasil ao projeto-mundo para o qual o povo e os pobres são estorvo e peso morto. Esta maldição eles não merecem. Lutaremos para que haja ainda um mínimo de compaixão e de humanidade que sempre faltou por parte dos herdeiros da Casa Grande.

Estamos num voo cego em um avião sem piloto. Há poucos que ousam apresentar um novo sonho para o Brasil. Mas tenho para mim, que o cientista politico, de sólida formação acadêmica, Luiz Gonzaga de Sousa Lima, o tentou com seu livro A refundação do Brasil: rumo a uma sociedade biocentrada (Rima, São Carlos 2011). Infelizmente até agora não recebeu o reconhecimento que merece. Mas aí se vislumbra uma visão atualizada com o discurso da nova cosmologia, da ecologia e contra o pensamento único, recolhendo as alternativas para um outro mundo possível.

Permito-me resumir seu instigante pensamento que o expus, com mais detalhes, neste Jornal do Brasil em maio de 2012.

O desafio, para ele, consiste em gestar um outro software social que nos seja adequado e que nos desenhe um futuro diferente. A inspiração vem de algo bem nosso: a cultura brasileira. Esta foi elaborada mormente pelos escravos e seus descendentes, pelos indígenas que restaram, pelos mamelucos, pelos filhos e filhas da pobreza e da mestiçagem. Gestaram algo singular, não desejado pelos donos do poder que sempre os desprezaram e nunca os reconheceram como sujeitos de direitos e filhos e filhas de Deus.

O que se trata agora é refundar o Brasil, “construir, pela primeira vez, uma sociedade humana neste território imenso e belo; é habitá-lo, pela primeira vez, por uma sociedade humana de verdade, o que nunca ocorreu em toda a era moderna, desde que o Brasil foi fundado como uma empresa mundializada; fundar uma sociedade é o único objetivo capaz de salvar nosso povo”. Trata-se de passar do Brasil como Estado economicamente globalizado, como querem os atuais governantes depois do golpe parlamentar, para o Brasil como sociedade biocentrada,vale dizer, cujo eixo estruturador é a vida em toda sua diversidade; a ela se ordena tudo mais, mormente a economia e a política.

Ao refundar-se como sociedade humana biocentrada, o povo brasileiro deixará para trás a modernidade, apodrecida pela injustiça e pela ganância, e que está conduzindo a humanidade, por causa da falta de sentido ecológico, a um caminho sem retorno. Não obstante, a modernidade entre nós, bem ou mal, nos concedeu forjar uma infra-estrutura material que pode nos permitir a construção de uma biocivilização que ama avida humana e a comunidade de vida, que convive pacificamente com as diferenças, dotada de incrível capacidade de integrar e de sintetizar os mais diferentes fatores e valores, estes que estão sendo negados pela onda de ódio e de preconceito surgida nos últimos tempos e que contradiz nossa matriz fundamental.

É neste contexto que Souza Lima associa a refundação do Brasil às promessas de um tipo novo de sociedade, diferente daquela que herdamos do passado, agora com a atual crise, agonizando, incapaz de projetar qualquer horizonte de esperança para o nosso povo. Para este propósito se faz urgente uma reforma política que embasará uma nova repactuação social.

Para esta repactuação dever-se-á colocar a nação como referência básica e não os partidos e contar com a boa-vontade de todos para, finalmente, gestar algo novo e promissor.

Minha esperança não arrefece e se traduz no verso de Thiago de Mello dos tempos sombrios da ditadura militar: “faz escuro, mas eu canto”.

*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, professor, ecologista e escritor

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