Racismo não

O desespero de uma mãe negra que quase teve a sua filha branca roubada

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“Vi meu mundo cair, ninguém acreditava em mim. Pegaram a minha filha do meu colo e entregaram a ela”. Mãe negra vive momentos de desespero para evitar o sequestro de sua bebê, que é branca, por mulher que usou a cor da pele para tentar convencer presentes que a criança era dela

A jovem Jamille Edaes, 22 anos, passou por momentos de desespero quando por muito pouco não teve a sua filha sequestrada, nesta segunda-feira (26), com a anuência de dezenas de testemunhas.

“Eu me vi perdendo a minha filha simplesmente por ser negra e ela não”, disse Jamille, que é estudante universitária e mãe da criança de 1 ano e 5 meses.

Tudo aconteceu durante uma parada de viagem entre São Paulo e Belo Horizonte. Jamille voltava da capital paulista onde havia passado o fim de semana com o marido, que trabalha lá, e desembarcou em Perdões, no Sul de Minas, para lanchar e ir ao banheiro, quando uma mulher se aproximou da filha.

Na saída uma moça bonita com aparentemente uns 30 anos deu a mão à minha filha. Eu achei que ela estava brincando então não me importei muito, quando do nada essa moça começou a gritar: ‘solta a minha filha’. Ela veio atrás gritando e tentando puxar a minha filha do meu colo. Ninguém fazia absolutamente nada!!!! Quando um funcionário chegou perto e perguntou o que estava acontecendo e ela respondeu: ‘Essa preta roubou a minha filha’”, relatou Jamille.

Naquele momento Jamille começou a ser acusada por todos que testemunharam a cena de ser “sequestradora” da própria filha. A criminosa mostrou uma certidão falsa – na qual constava o nome de outra criança.

Jamille conta que as pessoas a olharam de cima a baixo e perguntaram se teria como provar que era mãe da criança.

Vi meu mundo cair, pegaram a minha filha do meu colo e entregaram a ela. Vi ela andando em direção ao carro com a minha filha no colo”, descreveu. A mãe justifica que ficou tão desesperada e não teve a reação imediata de tirar da bolsa a identidade com foto e o CPF da filha.

Eu fiquei muito apavorada e não sabia como provar o contrário. O motorista do ônibus me perguntou como eu havia conseguido embarcar com ela e me lembrei que o RG e o CPF estavam em minha bolsa”, contou Jamille.

A estudante revela que foi preciso mostrar para várias pessoas todos os documentos, além de imagens de Facebook e do próprio parto para que as pessoas acreditassem que a menina era sua filha e a ajudassem a resgatá-la.

Abaixo, confira a íntegra do relato de Jamille:

“Hoje dia 26/06/2017 sai dá cidade de São Paulo no ônibus de 09:00hrs com destino a Belo Horizonte. A viagem ocorrendo bem, até fazermos a segunda parada em um estabelecimento.

Entrei no banheiro com minha filha que tem apenas 1 ano e 5 meses, e na saída uma moça bonita com aparentemente uns 30 anos deu a mão a ela. Eu achei que ela estava brincando então não me importei muito, quando do nada essa moça começou a gritar : SOLTA A MINHA FILHA. Eu fiquei meio que sem reação, meu primeiro impulso foi pegar a #Manuela no colo e tentar sair de perto. Ela veio atrás gritando e tentando puxar a minha filha do meu colo. Ninguém fazia absolutamente nada!!!!

Quando um rapaz (funcionário) chegou perto e perguntou o que estava acontecendo e ela respondeu: Essa preta roubou a minha filha. Ele me olhou de cima a baixo e perguntou o que eu estava fazendo com aquela “criança” no colo.

Respondi: Essa “criança” é a minha filha!! Quando ele me perguntou: Tem como provar? Ãh?? Como assim eu ter que provar que minha filha é minha filha? Fiquei desesperada sem saber o que fazer. Quando aquela desgraçada daquela mulher puxou uma CERTIDÃO FALSA, alegando que ela tinha como provar. Vi meu mundo cair, pegaram a minha filha do meu colo e entregaram a ela. Vi ela andando em direção ao carro com a minha filha no colo.

Corri, chorei, pedi a ajuda e todos falando: ela não é sua filha, ela é branca, ela não se parece com você. Pelo amor de Deus, como assim?? Minha filha não é minha filha porque eu sou negra????? O pai dela é branco e ela realmente se parece mais com ele que comigo. Me seguraram, quiseram me bater, falaram que eu estava sequestrando uma criança :'(

Inicialmente os passageiros ficaram do meu lado e quando ela mostrou a certidão TODOS me olharam torto.

Eu ando com a IDENTIDADE e CPF dela na bolsa , foi quando eu peguei, expliquei, falei para perguntarem a minha filha cadê a mamãe. Chamei a polícia.

O motorista do ônibus falou que não iria me esperar pois tinha “horário”. Ou eu ficava e fazia b.o e ficava presa em uma cidade a Quilômetros de distância da minha casa ou ia embora com eles…

Precisei entrar no face, mostrar fotos grávida, mostrar fotos do hospital, do nascimento dela. Para assim acreditarem que a menina branca, era filha da mulher negra!!!! ABSURDO, PRECONCEITO, DESCASO!!!!!

Estou sem acreditar até agora que isso tenha acontecido comigo. Por fim, depois de mostrar nossos documentos e fotos me ajudaram a pegar a MINHA filha… E aquela mulher ficou lá, se esguelando, gritando e as pessoas que a conteram ficaram aguardando a chegada da polícia.

Eu vim embora com uma sensação horrível, de que isso ainda vai acontecer muitas e muitas vezes e por causa do racismo e preconceito quase eu perco a minha filha.”

‘Mulher negra sempre suspeita’

Em entrevista ao jornal Estado de Minas, a Pesquisadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG, Aline Neves, afirma que a suspeita da maternidade é apenas um fragmento das recorrentes cenas de racismo e discriminação racial que ocorrem cotidianamente no Brasil.

Os últimos censos apontam que os casamentos interraciais, por exemplo, entre negros (autodeclarados pretos e pardos) e brancos não são tão comuns quanto nos parece. Herança do racismo, negros e negras quando têm filhos e filhas fenotipicamente brancos são tratados como ‘cuidadores e cuidadoras’ dessas preciosidades. Na escola, no restaurante, no parquinho, em inúmeros lugares, estará a mulher negra colocada em suspeita”, afirma.

Aline observa que o ocorrido com Jamille Edaes apresenta dois fragmentos de sofrimento para a mulher: o risco de se perder um filho e a ofensa racial.

Entre os dois corpos em luta pelo direito da criança, e a fragilidade do discurso de uma mulher negra, cuja filha não tem o mesmo fenótipo que o dela, está o racismo para definição da maternidade. Como pode uma mulher negra ter uma filha branca? O imaginário não nos permite aproximações, pois até mesmo a beleza é hierarquizada, os sentimentos são hierarquizados e tudo segue a favor desta mulher branca“, conclui.

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