A história da jovem que planejou a morte dos pais com o namorado antes de Suzane
"Precursora" de Suzane von Richthofen, estudante de direito de 20 anos arquitetou o assassinato dos pais junto com o seu namorado de 17. Assim como no caso de Suzane, a jovem pertencia a família abastada, tinha um irmão mais novo e as vítimas foram executadas enquanto dormiam
Paulo Sampaio*, em seu blog
Espécie de precursora de Suzane von Richthofen, a estudante de direito santista Andreia Gomes Pereira Amaral chocou a cidade do litoral paulista em março 1994, aos 20 anos, quando arquitetou com o namorado de 17 o assassinato de seus pais. Assim como no caso de Suzane, as vítimas foram executadas enquanto dormiam.
Andréia também pertencia a uma família de classe média alta, morava em uma casa de três andares e tinha um irmão mais novo. Era filha do segundo casamento do empresário português Antônio da Silva Amaral, proprietário de cerca de 50 imóveis na cidade. Definido como um homem espartano, Antônio era o tipo que sabia o valor do dinheiro: costumava ir ao mercado municipal no fim do dia para recolher os restos de verduras e legumes e dar para os porcos, cabritos e aves no sítio que possuía à beira da Rodovia Pedro Taques. No ano anterior, havia se desfeito de uma avícola onde a filha trabalhara desde os 10 anos.
O namoro de Andréia e Daniel Lima Chabelman não havia completado três meses quando os dois resolveram eliminar Antônio, como forma de solucionar os problemas de relacionamento que ela enfrentava com o pai. Em juízo, Andréia declarou que ele a havia estuprado duas vezes, uma quando ainda era virgem, aos 15 anos, outra aos 17, e que não a olhava como filha, mas “como mulher”. Disse ainda que Antônio tratava mal sua mãe, que a acusava de ter um amante e que suspeitava que o filho deles, Rodrigo, de um ano e meio, fosse de “outro”.
Andreia afirmou também que o pai mantinha um caso extraconjugal com uma senhora que já era avó, chamada Carminda. “Todo mundo sabe”, disse ela. “E também do filho que ele tem com uma funcionária da avícola.” Segundo Daniel, a namorada reclamava constantemente de que o pai colocava defeito em todos os namorados dela. Diante de tantas queixas, ele achou razoável concluir que a única saída seria dar um sumiço em Antônio — matando-o. A sugestão a princípio teria assustado Andréia, mas logo o pavor virou excitação.
A primeira tentativa
Como seria a morte? A ideia inicial da estudante era forjar um latrocínio, e ela avisou de antemão que não queria estar presente na hora. Daniel argumentou que a polícia rapidamente chegaria a eles. Propôs a execução a tiros. Ela topou. Recorreu a um ex-namorado, Rômulo Arnaud, que possuía um revólver calibre 38; Rômulo concordou em cedê-lo em troca de Cr$ 100, na moeda da época. Como não queria pegar na arma, Andréia pediu a ele que a entregasse diretamente a Daniel. Resolvido o meio, os assassinos agora preocupavam-se com o barulho dos disparos. Achavam poderia despertar a atenção da vizinhança. Daniel então pensou em fabricar um silenciador caseiro, mas não deu certo. Decidiu, assim, usar uma faca.
Marcaram uma data. Sábado, 26 de março de 1994. Para que as vítimas não reagissem, ficou combinado que Andréia os colocaria para dormir aspergindo gostas do calmante Diazepam na cerveja do pai e no café da mãe. E assim foi. Tudo teria saído como o planejado, se Antônio não tivesse despertado às 21h. Alarmada, Andréia correu até a janela e avisou a Daniel, que estava na rua aguardando para entrar. A operação, então, foi abortada — mas os assassinos não tinham nenhuma intenção de desistir. Ao contrário, cuidaram para que na segunda tentativa nada desse errado. Agendaram novamente uma data. Seria na terça-feira seguinte, 29 de março de 1994.
Embaixo da cama
A coreografia do crime foi alterada. Agora, Rômulo ligaria por volta das 17h30 para a mãe de Andréia, Deolinda, a fim de mantê-la entretida tempo suficiente para que Daniel entrasse na casa e se escondesse embaixo da cama da namorada. Naquela noite, Antônio e Deolinda tiveram uma discussão, e ele foi para o quarto se deitar. Desta vez, Andréia não precisou pingar Diazepam na bebida do pai, já que ele adormeceu profundamente. Ela disse depois que não sentiu necessidade de entrar no quarto para checar, já que o ouviu roncando. Deolinda dormiu também, mas no caso dela Andréia precisou usar o calmante — em declarações contidas no processo, ela alega que não queria que a mãe testemunhasse o que estava por vir.
Eram por volta de 23h30 quando Andréia avisou ao namorado que o pai dela havia dormido. Daniel saiu de debaixo da cama, foi ao quarto de Antônio, voltou e disse. “Essa é a hora”. Além de um punhal, estava armado com o revólver de Rômulo, para o caso de não conseguir consumar o crime só com a arma branca. Não precisou usá-lo. Em poucos minutos, sem fazer barulho, ele retornou para anunciar. “Já aconteceu”.
Mais tarde, Daniel voltou ao quarto de Antônio para verificar se ele estava mesmo morto. Estava. Em seguida, ao descer a escada em direção à sala, comentou com a namorada que não haveria como justificar para Deolinda a enorme quantidade de sangue espalhada na cama do casal — e que, por isso, ela deveria ser morta também. Andréia sustentou em juízo que foi veementemente contra, mas a essa altura “já não havia como frear Daniel”. “Ele estava com o revólver na mão e ameaçou me matar e se matar, caso eu não concordasse.” O máximo que ela conseguiu, disse, foi fazê-lo se comprometer a não machucar Rodrigo, que dormia ao lado da mãe. Ele assentiu, foi até o sofá onde Deolinda dormia e cravou a faca 12 vezes no pescoço dela. Os gritos da mulher acordaram o garoto. Logo o assassino voltou ao andar superior com notícias. “Ela fez força para viver. Mas não tem mais testemunha.”
A remoção dos corpos
E o que seria feito dos cadáveres? Enquanto Daniel se ocupava em bolar uma estratégia para ocultá-los, Andréia, segundo ela disse no 1º distrito policial, tomava conta do irmão. Logo, seu namorado saiu com a camionete de Antônio a procura de Adilson Paixão e Marco Oliveira, dois amigos que o ajudariam a remover os corpos. Sugeriu que Andréia pedisse o auxílio de Rômulo (de quem ela havia engravidado no passado: “Meu pai soube e me deu uma surra, chutou minha barriga, era véspera do vestibular, acabei perdendo o bebê”, contou ela para uma repórter do Jornal da Tarde).
Seguindo a orientação de Daniel, ela foi à casa do ex-namorado com o Ômega que o pai dera a ela “apenas para ir à faculdade”. Todos se encontraram na padaria Suíça, quando Rômulo disse que não queria participar da remoção. De volta à casa, e à cena do crime, Daniel, Adílson e Marco embrulharam os cadáveres em lençóis disponibilizados por Andréia e, enquanto ela limpava o sangue na sala, eles os trancaram em um quarto no térreo. Por volta das 19h, a trinca voltou para buscá-los e os colocou na mala do Ômega. Seguiram para a Alemôa, um bairro industrial à beira da Via Anchieta, onde descarregaram os embrulhos próximo a uma obra. Às quatro da manhã do dia seguinte, 31 de março de 1994, os três voltaram para enterrar os corpos em um buraco cavado por eles.
Enquanto tudo isso acontecia, Andréia foi à casa de sua tia, Ana Maria Gomes Pereira, dizendo que estava preocupada com o sumiço dos pais. De acordo com o depoimento de Ana Maria no 1º distrito policial, Andréia contara a ela que sua mãe havia recebido um telefonema de alguém que revelou o envolvimento de Antônio com outra mulher. O casal então teria discutido, e Deolinda saído de casa por volta das 14h30; logo depois, às 16h30, saiu Antônio. Passava das 19h quando Andréia achou que deveria comunicar o fato a alguém da família. No distrito, Ana Maria, que era irmã de Antônio, disse que a sobrinha insistiu para que a polícia não fosse chamada; ao mesmo tempo, fez tudo para mantê-la afastada da casa dos pais. Como estava cuidando do bebê, a tia concordou. Só no dia seguinte, depois de muita insistência, Ana Maria conseguiu fazer com que Andréia a acompanhasse à casa do irmão.
Banho de sangue
Já lá dentro, Ana Maria subiu a escadaria e caminhou por todas as dependências, até que chegou ao quarto do casal: “O colchão estava lavado de sangue”, contou ela ao delegado. Sua primeira suspeita foi que Antônio houvesse matado Deolinda. Mas Andréia afirmou que o sangue era de um aborto que sua mãe tinha feito havia quatro dias. Ana Maria achou a história improvável e resolveu chamar a polícia para investigar o que tinha acontecido. Em pouco tempo a perícia verificou que se tratava de um assassinato. E, por todas as marcas deixadas pelos criminosos, rapidamente chegou a Daniel e, claro, à própria Andréia.
Como ele era menor de idade, o encaminharam para a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem); Andréia foi presa preventivamente. Ao depor, a estudante contou uma versão que ela mesma modificou depois. Em ambas, atribuiu toda a responsabilidade do crime a Daniel. Acabou confessando sua participação na morte do pai, mas não na da mãe. Segundo afirmou, seu namorado havia esfaqueado Deolinda por conta própria. Chorando, declarou-se arrependida: “Nunca pensei em ficar com o dinheiro (de Antônio). Se sair daqui, quero que tudo fique com meu irmão. Vou lutar pela guarda dele não por causa da herança, mas porque é o filho que eu não pude ter.”
Em 1995, Andréia Gomes Pereira Amaral, então com 21 anos, foi condenada a 25 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado — motivo torpe e meio que impossibilitou a defesa das vítimas. Antes de ir a juri, dois dos inúmeros advogados que Andréia contratou e dispensou tentaram provar que ela era mentalmente perturbada. Fazia sentido. Quem a conhecia desde criança a definia como uma menina “doce e introvertida”. Mas o pedido foi negado. Em março de 1996, ela recorreu da condenação, mas tudo o que conseguiu foi reduzir a pena em um ano. Em agosto de 1997, houve uma tentativa de anular a sentença, em segunda instância, mas também foi negada. Seus advogados apresentaram embargos de declaração e, depois, em agosto de 1997, interpuseram recursos aos tribunais superiores. Nada.
Assassina de pai e mãe
Presa inicialmente na Penitenciária Feminina de Santos, ela mais tarde foi transferida para a do Butantã, em São Paulo. Lá, graças ao bom comportamento, ela progrediu do regime fechado para o semi aberto. Porém, em agosto de 2000, quando recebeu permissão para passar o fim de semana do Dia dos Pais com a família, ela não se reapresentou na cadeia. Enquanto esteve fora, se envolveu em um caso de estelionato e foi autuada em flagrante. Na polícia, descobriram que estava foragida e a encaminharam de volta para a penitenciária. Com isso, ela perdeu o direito ao regime semi-aberto quando restavam apenas 13 meses para que fosse para o aberto.
Seu advogado na época, Eduardo Antonio Miguel Elias, alegou que ela não queria retornar porque havia sofrido coações e ameaças das outras presas, que chegaram a tatuar a força em seu braço a sentença “Assassina de Pai e Mãe”. Por sua vez, um outro ex-defensor de Andréia afirmou que ela se entrosou razoavelmente bem no ambiente da cadeia — a ponto de se envolver afetivamente com uma detenta.
Libertada em 2008, Andréia hoje vive isolada da família. No inventário, perdeu todo o direito ao que era do pai, por ser considerada o que na Justiça classificam de “herdeira indigna”. O irmão Rodrigo, que hoje tem 25 anos, não quer saber dela. Nem ele, nem os irmãos do primeiro casamento de Antônio. Logo que saiu da cadeia, Andréia sobrevivia com a venda de cosméticos por folheto. Hoje, até onde se sabe, vive na comunidade Vila Margarida, em São Vicente.
*Paulo Sampaio é jornalista