Alguns senadores estão a armar uma nova arapuca para a soberania popular. Trata-se de uma PEC para transformar o STF para todo o sempre num cocker spaniel manso e festeiro para os donos do poder
Eugênio José Guilherme de Aragão, Jornal GGN
Leio hoje que a nata do reacionarismo do Senado Federal está a armar mais uma arapuca para a soberania popular. Quietinha e vendendo com falsa modéstia um arremedo de espírito público. Trata-se de uma PEC para transformar o STF para todo o sempre num cocker spaniel manso e festeiro para os donos do poder.
Qual é a ideia? Restringir o poder do presidente ou da presidenta da República na escolha dos ministros daquela corte. É engraçado que esse assunto só virou pauta política quando, por um desses acasos históricos, se abriu a oportunidade de os governos liderados pelo PT indicarem 13 ministros ao longo de 13 anos (e só não foram mais porque Gilmar Mendes articulou com Eduardo Cunha a votação a jato da PEC da bengala).
O problema do STF definitivamente não é ter sido “aparelhado” pelo PT. O método de escolha dos agraciados seguiu, nos governos Lula e Dilma, uma lógica trôpega ou, até mesmo, lógica nenhuma: abria-se a vaga e logo se iniciava a gincana dos interessados em coroar seus currículos pessoais com o que entendiam ser um galardão. Penduravam-se em padrinhos, desde Delfim Netto a João Pedro Stédile; de Ministro da Justiça a Presidente do Supremo; Deputados, Senadores, Governadores e até Prefeitos… faziam fila nas ante-salas de seus gabinetes. Esperavam humildes por horas. Não havia chá de cadeira que fosse demorado demais para os ministros in spe.
É claro que a gincana favorecia os mais vaidosos e concorrentes mais cotovelentos e resilientes, aqueles que, quando vislumbravam uma ameaça a seu sonho de felicidade por um outro gincaneiro, tratavam de queimá-lo com imprensa, maledicências, fofoca e tudo! E, quando atacados, conseguiam manter-se de pé. O vencedor era coroado dentro dos cânones da Lei de Darwin.
Esse tipo de recrutamento, é claro, não traz para a corte necessariamente os mais éticos, nem os mais habilitados. Traz os mais musculosos e bonitos. Traz os Johnny Bravos da carreira jurídica, incapazes de aguentarem uma crítica dos meios de comunicação de massa, impróprios para desempenhar o papel de juízes contramajoritários. São todos simpáticos. Abanam o rabinho quando querem o osso suculento da indicação. Choram de emoção quando chegam lá. Mas, investidos, têm medo de enfrentar a opinião pública, pois não querem queimar seu filme. Quando muito, se experimentam na defesa de direitos sexy, aqueles que até o liberalismo burguês da Rede Globo propugna. Isso dá brilho, dá a falsa ideia de ousadia e torna esses liberais pop.
Aliás, por falar em aparelhamento, quem o promoveu, sempre foi o PSDB e o PMDB, que, ao não deixarem a gincana correr solta, fizeram questão de indicar seus pit-bulls. Gilmar é um deles e Alexandre de Moraes outro. Estes são adestrados para não deixar seus donos serem atacados e expostos. Já os lindinhos indicados nos governos do PT fazem festa e mais parecem ter compromisso com sua própria imagem. “Espelho, espelho meu…“.
Por isso é difícil, a esta altura, entender a intenção dos que querem mexer nas regras de indicação de ministros do STF. Afinal, varreram o PT do poder e, nem antes, o PT conseguira indicar ministros que o favorecessem. Na hora do perigo, todos preferiram abrigar-se na linguagem moralista e desancar seus patronos.
O perigo da personalização da escolha é, portanto, um perigo que é criado apenas por aqueles que hoje querem mudar as regras. Ou será que estão com medo de Lula em 2018?
Vamos à arapuca propriamente dita. Tem a carinha de Gilmar Mendes, tamanha a influência germanófila. Querem montar um grêmio à imagem e semelhança daquele que indica os juízes da corte constitucional federal tedesca. Só com uma diferença: enquanto lá a composição é tal que que contempla a política, a academia, os Länder e a sociedade civil, aqui seria formada pelos urubus-rei das corporações: presidentes de tribunais superiores, presidente do Conselho Federal da OAB, o PGR e o Defensor-Público-Geral da União. Um colegiado de juristas que bebem chopp do mesmo barril e frequentam a mesma loja maçônica. O povo que se dane. Não é apto para participar de tão grave escolha.
A lista que for produzida, com três nomes resultantes do consenso entre comensais, será apresentada àquele ou àquela que representa a soberania popular. Ou seja: a soberania manietada, mais uma vez, pela elite da burocracia ou pela burocracia da elite. Serão ministros, advogados ricos, de escritórios de vastas redes de relações ou juristas acadêmicos que darão uma puxadinha de saco aos componentes do colégio eleitoral. A maioria desprovida de disposição de luta e alguns, até, de coluna vertebral. Assim é que nossa justiça continuará classista, mansa e subserviente ao interesses dos que mandam no país… que não é o povo!
É isso que queremos? É justo ver criticamente o método de recrutamento de ministros do STF. Não porque sua escolha, pelo PT, tenha sido aparelhada. Mas porque se deu azo ao desfile de vaidades. É pedir muito a um chefe do executivo que escolha sozinho esses lindinhos, sem ter conhecimento da cultura rasteira das corporações. Fica, ele ou ela, a mercê de conselheiros de ocasião, todos pertencentes a uma torcida.
Mas porque restringir o colégio aos de sempre? Já vimos que isso não funciona nem para controlar juízes e membros do MP, sujeitos à tutela disciplinar de colegiados com composição uniforme do estamento jurídico! Precisamos é desmistificar nosso direito, que não passa de um instrumento de manutenção do status quo numa sociedade profundamente desigual. Precisamos de mais povo, de mais sociedade civil! Precisamos de gente que enxergue no STF uma trincheira da democracia e da cidadania e não uma honraria fútil. Um grêmio que for composto apenas pelos urubus-rei não é capaz de inovar nada. Só restringirá o número de padrinhos para aqueles que participam da gincana.
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