Delação de Marcos Valério sofre 'operação abafa'
A delação do publicitário Marcos Valério é uma oportunidade para questionar: por que o mensalão do PSDB, anterior ao do PT, não teve ainda nenhuma condenação em definitivo?
Joaquim de Carvalho, DCM
A delação do publicitário Marcos Valério é uma oportunidade para questionar: por que o mensalão do PSDB, anterior ao do PT, não teve ainda nenhuma condenação em definitivo?
Eduardo Azeredo, que foi governador de Minas Gerais e presidiu o PSDB, teve uma condenação em primeira instância, mas recorreu, e o julgamento, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, está marcado para agosto – não se surpreenda se for adiado.
Às vésperas de Azeredo completar 70 anos de idade, alguns crimes terão seu tempo de prescrição reduzido à metade.
Ao mesmo tempo em que o julgamento foi marcado, Marcos Valério contou à PF mais detalhes sobre como criou e operou o esquema de desvio de verbas de publicidade do governo de Minas Gerais.
Suas revelações não entrarão no processo de Azeredo, de resto bem fornido de documentos e testemunhos, aceitos na primeira instância como provas da culpa do ex-presidente do PSDB.
Como indicam trechos da delação de Marcos Valério já tornados público, outras autoridades podem ser comprometidas e a quantidade de lama sobre Aécio pode aumentar.
Mas, como aconteceu em outros momentos em que uma investigação avança sobre um universo onde a sigla PT não aparece, forças de sempre começam a desqualificá-los.
A Folha de S. Paulo publica hoje, em sua coluna Painel, algumas notas sobre a contabilidade do caixa administrado por Marcos Valério. E cita o caso de Gilmar Mendes, que aparece em algumas planilhas, como beneficiário de dinheiro sujo.
Há alguns anos, a revista Carta Capital teve acesso a essas planilhas e publicou reportagem sobre o tema, foi processada e perdeu. Na contabilidade atribuída a Marcos Valério, o nome de Gilmar Mendes aparece seguido da sigla AGU, de Advocacia Geral da União.
Como essa planilha teria sido feita em 1999 e Gilmar só foi para a AGU em 2000, a conclusão é que era um documento falso. Na época em que a contabilidade foi divulgada, Marcos Valério teria dito que, sim, era falsa, ele não tinha nada a ver com isso.
Ocorre que, assim como em outra lista famosa, a de Furnas, a contabilidade de Marcos Valério nunca foi periciada. Até houve um pedido nesse sentido, feito pelo advogado Dino Miraglia, ao então presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Mas a petição, acompanhada dos documentos, acabou engavetada.
Assim como a Lista de Furnas, a contabilidade de Marcos Valério pode ter sido feita depois de 1999, relatando fatos anteriores, porque listas desse tipo não têm outro sentido senão ameaçar ou chantagear alguém.
A Lista de Furnas foi feita para isso – era para que um diretor da estatal fosse mantido no cargo. A Lista de Marcos Valério pode ter tido também algum objetivo escuso.
O importante é que ela precisava – e precisa — passar por perícia, já que tem a assinatura de Marcos Valério.
Durante mais de cinco anos, as pessoas que apareciam na Lista de Furnas diziam que era falsa, produto da ação de um estelionatário.
Os suspeitos propagaram essa versão, e ela foi abraçada como verdade definitiva pelos grandes veículos de comunicação. “Lista de Furnas? Ah, ela é falsa. Cai fora.”
Mas, quando os peritos da Polícia Federal analisaram a papelada, por determinação de uma procuradora do Rio de Janeiro, não deu outra: era verdadeira.
Só depois disso é que o nome de Aécio Neves, padrinho político de Dimas Toledo, começou a aparecer na lama.
A lista era verdadeira e o doleiro Alberto Youssef, em outra frente de investigação, dizia: A propina em Furnas era dividida entre o cliente dele, um deputado do PP, e Aécio.
Mas já era tarde para algumas pessoas. Até o dono de um jornal na internet, que sustentava a autenticidade da lista e noticiava a corrupção em Furnas, foi preso, numa operação que, hoje se sabe, foi manipulada pela Justiça e Ministério Público de Minas Gerais.
A mídia, regional e nacional, propagava sem nenhuma crítica, a versão de que a Lista de Furnas era falsa e seus divulgadores, criminosos.
A mesma dinâmica parece estar em curso agora.
As notas publicadas no Painel da Folha são eloquentes nesse sentido:
Acredite se quiser: Na proposta de delação que fez ao Ministério Público de Minas, o empresário Marcos Valério anexou como prova de sua narrativa uma lista em que enumera repasses de propina a dezenas de autoridades. A peça é controversa. Anos atrás, outras versões da planilha foram encontradas com Nilton Monteiro, o estelionatário que fez a chamada “lista de Furnas”. Na ocasião, o próprio Valério disse que os papéis eram falsos. O MP recusou o acordo. Valério fechou com a PF.
Copia e cola: Aliados de Valério dizem que ele reapresentou a lista como anexo na proposta de delação aceita pela Polícia Federal.
Ficha corrida: Uma versão da planilha foi alvo de ação judicial pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, que aparece no papel como destinatário de R$ 185 mil. Ele apontou os indícios de fraude e processou a revista “Carta Capital”, que publicou trechos da lista em 2012.
O vidente: O ministro foi indenizado em R$ 507 mil pela revista. Na planilha, ao lado de seu nome aparece a inscrição “AGU”. Valério diz que elaborou o documento em 1999. Mendes, porém, só foi nomeado advogado-geral da União em janeiro de 2000.
Caixa postal: Procurado, o advogado de Marcos Valério não respondeu. O advogado de Mendes disse que, confirmado o uso da lista, tomará novas medidas. Diversos empresários são citados, além de políticos e autoridades.
Vão aparecer outras notinhas por aí.
Importa é periciar a contabilidade atribuída a Marcos Valério.
E, a partir daí ou ao mesmo tempo, fazer uma investigação séria.
Do contrário, é razoável imaginar que a pizza já foi colocada no forno e que uma nova fraude está em curso, a mesma que tem impedido até hoje a punição no caso da corrupção em Furnas.
Afinal, Furnas era feudo do PSDB, e o PSDB é um partido de pessoas de “carreira notável” e de “chefes de família”.
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