Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político
A cidade de Hamburgo, na Alemanha, sediou nos dias 7 e 8 de julho a cúpula do G20. Dirigentes políticos, ministros da economia e presidentes de bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia, se reuniram para discutir barreiras comerciais, migração, terrorismo entre outros assuntos.
Nas reuniões, os barões do neoliberalismo estufaram o peito para valorizar seus respectivos países. Embalados por um cinismo nauseante, entoaram discursos inflamados enaltecendo seus governos, distribuíram sorrisos, pousaram para fotos e levaram ao paroxismo suas hipocrisias cotidianas. Em última instância, transmitiram o recado: sejam todos bem-vindos ao cassino da economia global!
Fazendo jus a desfaçatez do evento, o famigerado Michel Temer chegou ao absurdo de dizer que não há crise econômica no Brasil. Talvez não haja mesmo, mas na casa do moribundo presidente, sempre disposto a receber na calada da noite gatunos da estirpe de Joesley Batista e suas malas carregadas de dinheiro – corrupção em estado puro, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República. Pergunte a um dos mais de 14 milhões de desempregados neste país e ele vai responder se há ou não uma obscena crise econômica no Brasil. Um presidente com menos de 7% de aprovação, grampeado em negociatas espúrias e acusado de diversos crimes não tem legitimidade para dizer seja lá o que for em qualquer lugar do planeta.
Mas para entender o G20, precisamos compreender uma outra sigla: o G8.
O G8 é o clubão que reúne os oito países mais industrializados do mundo e com maior poder político, econômico e militar. Formado por Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Rússia e Japão, o G8 se arroga o direito de decidir os caminhos que o mundo deve trilhar, sobretudo porque esses países possuem economias consolidadas e suas forças políticas exercem demasiada influência em instituições como FMI, OMC e ONU. As discussões no G8 estão relacionadas ao processo de globalização, abertura de mercados, problemas ambientais, ajudas financeiras para economias em crise etc.
É o G8 quem defende aguerridamente, por exemplo, o direito de patente dos remédios que controlam a reprodução do vírus HIV, responsável pela síndrome da AIDS. Trocando em miúdos, o G8 defende o lucro dos grandes conglomerados farmacêuticos em detrimento da vida de milhares de infectados que morrem diariamente por não terem dinheiro para comprar o remédio que controlaria sua infecção. É o lucro se sobrepondo a vida sem nenhum constrangimento.
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O G8 passou a ser contestado reiteradamente desde sua atual configuração, formada em 1990. Marcado pela falta de legitimidade política, o que comprometeu o cumprimento de suas deliberações, além da incapacidade de evitar as várias crises financeiras que assolaram diversos países do mundo no final do século XX e início do século XXI, o grupo viu surgir em meados de 1999 o G20, que é uma tentativa de aglutinar os interesses de países desenvolvidos e em desenvolvimento.
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Com o passar dos anos, o G20 ganhou protagonismo e se tornou o epicentro do capitalismo contemporâneo. É ele quem congrega um fórum para defender os interesses das elites hegemônicas que dominam a economia mundial.
As posições do G20 estão em rota de colisão com as necessidades e os interesses da sociedade civil. Qual a legitimidade do indecoroso Donald Trump para tratar de meio ambiente, sobretudo após ter rasgado o Acordo de Paris? Qual a propriedade do carniceiro Recep Erdogan para tratar de direitos humanos após ter encarcerado milhares de pessoas inocentes? Qual a autoridade do sórdido Vladimir Putin para tratar de terrorismo após os acontecimentos na Criméia?
As cúpulas internacionais são verdadeiros festivais em que as elites hegemônicas ocupam o palco central e fazem um espetáculo para todo o mundo, vide o estardalhaço gerado pelo aperto de mãos entre os facínoras Donald Trump e Vladmir Putin. Um encontro como o G20 atraí centenas de jornalistas e sua repercussão é transmitida para várias regiões do mundo. O objetivo desses eventos tem muito mais a ver com o simbolismo do que com a tomada de decisões, pois a maioria delas já foram tomadas previamente em reuniões ministeriais de bem menor visibilidade
A anfitriã do evento, Angela Merkel, deixou clara a intenção da reunião: “Nós estamos unidos em nossa vontade de fortalecer relações multilaterais na cúpula do G20. Nós precisamos de uma sociedade aberta, especialmente de fluxos comerciais abertos“. A sociedade está aberta para as multinacionais, não para as pessoas. Enquanto os barões do neoliberalismo discutiam a abertura comercial, centenas de refugiados eram expulsos da Alemanha.
É para manter privilégios e garantir o funcionamento do neoliberalismo que eventos como o G20 são organizados. Das reuniões saem os receituários que devem ser aplicados nos respectivos países: aumento de juros, sucateamento das relações trabalhistas, redução das garantias mínimas de vida, ampliação das riquezas das elites.
O Brasil não é imune ao receituário, pelo contrário, há ininterruptos 24 anos o neoliberalismo dá as cartas por aqui. O setor que mais cresce entre nós não é a informática, mas a desigualdade que continua destruindo famílias, abortando sonhos e empurrando milhares de brasileiros para o abismo.
*Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos e colabora para Pragmatismo Político
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