Censura: Globo pede a opinião de Chico Buarque de Hollanda sobre a condenação de Lula por Sergio Moro, mas não publica
Paulo Moreira Leite, em seu blog
Como é natural diante de fatos de grande repercussão, na manhã de hoje os leitores do Globo puderam conhecer a opinião de artistas e intelectuais sobre a condenação de Lula a 9 anos e seis meses de prisão.
A relação inclui, entre vários nomes, o teatrólogo José Celso Martinez Correa, a atriz Silvia Buarque, os cineastas Luiz Carlos Barreto e José Padilha. Mas falta a opinião de um dos mais conhecidos artistas brasileiros: Chico Buarque de Hollanda.
Consultado no fim da tarde de ontem sobre a possibilidade de dar sua opinião sobre o caso, Chico pediu tempo para pensar. Após alguns minutos, redigiu uma declaração e, por e-mail, autorizou a assessoria a enviá-la ao jornal.
“O Globo faz a diferença”, escreveu Chico. E acrescentou, para não deixar dúvidas: “Quero que publiquem”.
Para quem não conhece o universo Globo, cabe uma explicação. A frase de Chico Buarque era uma ironia. Associava o Prêmio Anual do jornal, “Quem faz diferença” com o tom da cobertura dedicada à Lava Jato, na qual o Globo se destacou por um alinhamento automático com Sérgio Moro e a força-tarefa do Ministério Publico.
Em março de 2015, quando a Lava Jato se encontrava em seu primeiro ano, Sérgio Moro recebeu o Faz Diferença na versão máxima — Personalidade do Ano “Nós ficamos felizes porque é um reconhecimento da qualidade do trabalho”, declarou Sergio Moro, numa pequena fala de agradecimento.
No editorial de hoje, o jornal analisa a sentença de 9 anos e meio de prisão em tom de celebração: “Depois de ter passado incólume pelo mensalão, montado pelo lulo-petismo no primeiro mandato, Lula não está conseguindo escapar do petrolão”.
A frase de Chico Buarque foi enviada à redação — mas não foi publicada. Para o próprio Chico, o gesto constitui uma tremenda indelicadeza. Ele atendeu a um pedido feito pelo jornal e não teve direito sequer a nenhuma explicação. Para o público, foi uma forma de censura.
Os leitores do Globo foram impedidos de saber que, na opinião de uma personalidade influente na cultura do país, como Chico Buarque, o Globo “fez diferença” na produção da sentença de 9 anos e seis meses contra Lula.
Com a sutileza que caracteriza tantos de seus versos, era uma forma de lembrar o papel do monopólio dos meios de comunicação — onde as Organizações Globo têm um lugar de liderança absoluta — no emparedamento do mais popular presidente de nossa história republicana. Foi uma forma do jornal se proteger de uma crítica — com a autoridade de Chico Buarque — a sua cobertura.
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