Por que Sergio Moro não mandou prender Lula?
Editor-chefe da revista 'Americas Quarterly' e um dos principais especialistas em política da América Latina, Brian Winter faz reflexão acerca do significado por trás da condenação sem prisão do ex-presidente Lula
O aspecto mais marcante da decisão de quarta-feira (12) contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a admissão do juiz de que Lula merece tratamento especial, aponta o texto publicado nesta sexta-feira (14) por Brian Winter, editor-chefe da revista Americas Quarterly e vice-presidente de política da Americas Society/Council of the Americas.
Ele afirma que isso, mais do que qualquer outro detalhe, sugere que o homem que dominou a política brasileira nos últimos 30 anos ainda pode evitar a prisão – e até mesmo se tornar presidente em 2018, como prometeu fazer em uma emocionante coletiva de imprensa na quinta-feira (13).
Brian informa ao leitor que o juiz federal Sérgio Moro, rosto público “intocável” da Lava Jato, determinou que Lula é culpado por aceitar cerca de US $ 1,2 milhão da empresa de engenharia OAS e o condenou a quase 10 anos de prisão.
No entanto, acrescenta o autor, Lula permanecerá livre enquanto apela para segunda instância. Nos parágrafos finais de sua decisão de 218 páginas, Moro escreveu que, devido ao registro de Lula de supostamente tentar intimidar o tribunal, e instruir terceiros para destruir provas, “seria potencialmente considerável” ordenar o ex-presidente à prisão enquanto aguarda o recurso, mas Moro concluiu que “considerando que a prisão preventiva de um ex-presidente da República envolveria certos traumas, a prudência recomenda” que Lula não seja preso por enquanto.
Para o colunista e um dos principais especialistas em política da América Latina, Moro “balançou“.
Brian fala que é importante enxergar a importância disso. Em dezenas de casos nos últimos três anos, Moro ordenou um réu a prisão preventiva, assim como também estava claramente inclinado a voltar atrás com parecer razoável, levando em conta os incansáveis esforços dos advogados de Lula para retratá-lo como politicamente tendencioso, bem como a cobertura da mídia brasileira noticiando o caso como um jogo de rancor do estilo World Wrestling Federation de Moro contra Lula. “A decisão não traz a satisfação pessoal deste juiz“, escreveu Moro.
Ao mesmo tempo, é difícil não ver nas palavras de Moro, pelo menos um vestígio da deferência ao poder, e preferência instintiva pelo compromisso, que há muito caracterizou a cultura política brasileira – e pode, em última instância, ser a salvação de Lula, analisa o autor.
Isso muitas vezes é difícil de definir, e é difícil para os estrangeiros entenderem. Alguns vêem isso como um código que protegeu a impunidade entre os elites do Brasil durante séculos. Outros argumentam que uma cultura de compromisso, mesmo entre os rivais amargos, é o que manteve um país do tamanho de um continente com terríveis desigualdades e violências e evitou a polarização desestabilizadora que há muito se viu em países próximos como Argentina, Venezuela e Chile.
O trabalho de Moro desde 2014 tem sido acabar com a cultura de impunidade do Brasil, e ele fez progressos extraordinários. Na decisão de quarta-feira, ele citou o lendário historiador inglês do século 17 Thomas Fuller: “Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você“.
Mas Lula pode ir muito mais longe, opina Brian. Na prática, mesmo os mais rigorosos rivais políticos de Lula admitiram que ele merece cautela especial – ou “prudência“, para usar a palavra de Moro. O ex-líder trabalhista de 71 anos supervisionou um longo crescimento econômico de 2003 a 2010 e deixou o cargo com uma classificação de aprovação de quase 90%. Embora seu legado esteja manchado pelo colapso econômico do Brasil e pela Lava Jato, Lula continua sendo um herói popular para muitos. Ele lidera as eleições para o próximo ano e está crescendo à medida que alguns brasileiros estão ansiosos pelo retorno à estabilidade e prosperidade dos anos 2000.
Se até mesmo “Eliot Ness do Brasil” foi levado por tais considerações, imagine a reação dos juízes de alto escalão que são mais simpatizantes do próprio Lula ou mais sintonizados com as antigas formas brasileiras, ironiza Brian. Há também especulações persistentes de que o Supremo, cuja maioria foi nomeada por Lula e seu partido, poderia encontrar uma maneira de absolvê-lo e ainda deixa-lo concorrer à presidência, prossegue o texto.
A análise do Americas Quarterly ainda aponta: Se isso parece ridículo, considere que este é o Brasil em 2017 – um lugar em que o atual presidente foi acusado de corrupção, a maioria do Congresso enfrenta a perspectiva de acusações criminais, a economia está presa em sua pior recessão em um século, e os três ramos do governo estão envolvidos em uma “guerra” aberta pela sobrevivência, ressalta o autor.
O artigo destaca: O pântano atual também explica por que a decisão de quarta-feira provavelmente não prejudicará a posição política de Lula. O caso se concentra em um apartamento à beira-mar que a OAS alegadamente deu a Lula e sua família em troca de um contrato da Petrobras. Mas isso – vamos ser honestos – é uma esmola em comparação com as acusações contra vários outros políticos brasileiros, frisa Brian Winter.
Se houvesse uma era em que Lula pudesse ser retratado como o vilão inequívoco em uma batalha entre o bem e o mal, passou em meados de 2016, quando a maior parte do establishment político do Brasil apoiou Temer. Enquanto os promotores em Curitiba insistiram repetidamente que Lula era o chefe de todo o esquema da Petrobras, Moro explicitamente criticou essa questão na decisão da quarta-feira, dizendo que não era “necessário” decidir por enquanto, destaca o artigo.
É verdade que Lula ainda enfrenta mais quatro processos criminais – todos os quais são vistos por analistas legais como mais fortes que as alegações dos apartamentos à beira-mar, lembra o editor chefe da Americas Quarterly. Mas este foi o único que provavelmente poderá resultar em prisão antes da campanha presidencial. Ao debater o destino de Lula, alguns brasileiros adotaram o ditado “Ou preso, ou presidente” – “Ou prisão, ou a presidência“. A longo prazo, ainda apostaria no primeiro, mas ele ainda tem uma chance de ser o último, conclui o autor.
*Brian Winter é editor-chefe da revista Americas Quarterly e vice-presidente de política da Americas Society / Council of the Americas. Autor e colunista é um dos principais especialistas em América Latina e um orador freqüente para mídia e eventos internacionais.
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