Economia

Com amor, veneração e sacrifício

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Leandro Silva, Pragmatismo Político

A economia não pode parar de expandir. Roma também não podia. O combustível do motor da economia é o sangue, sangue humano. Darcy Ribeiro, que viveu o golpe militar de 1964, golpe financiado e motivado por interesses econômicos, reforça a história de nosso país no período da escravidão: “O Brasil era um moinho de moer gente, matou milhares de negros e índios para adoçar boca de europeu”. A partir do passado, passado-recente e presente, números demonstram que em grande escala nada mudou.

Os recursos do mundo acumulados por apenas 1% da população continuam em crescimento, o número apurado em 2009 foi 44%, em 2014 foi 48% e já em 2016 alcançando a marca dos 50%.

Consequência, o crescimento da escravidão moderna. Os números apurados pela The Global Slavery Index mostram o crescimento, o número de 35,8 milhões de pessoas sob essas condições em 2014 pula para 45,8 milhões em 2016. Um expressivo crescimento de 25% em apenas 2 anos. No Brasil o cenário não é diferente, foi apurado 155,3 mil pessoas em 2014 e, 161,1 mil em 2016 sob a mesma condição.

Destaco uma curiosidade, mesmo carregando as consequências de uma crise econômica em escala global iniciada em 2007 e ainda presente, o acumulo de capital deste 1% da população foi preservado e inclusive cresceu.

Há países que adotam postura rígida no combate a escravidão, se destacam países como Holanda, EUA, Reino Unido, Suécia, Austrália, entre outros. Porém a fragilidade das ações está no fato que as empresas são supranacionais, atores econômicos, portanto de vasto poder político. Uma empresa americana pode basear sua produção em mão de obra escrava em qualquer pais onde o combate é inexistente ou frouxo.

Concluímos que a rigidez de cada governo se estende apenas sobre seu próprio território. Do lado oposto temos países como Índia, China, Paquistão, entre outros, onde não existe propriamente um combate ao trabalho escravo, pior, é possível deduzir que o crescimento econômico depende ou já dependeu desse motor movido por sangue humano. Enquanto isso o Brasil caminha para o retrocesso, além do aumento de 4% entre 2014 e 2016 do trabalho escravo e o desmonte anunciado da legislação trabalhista. Existe uma evidente proteção as empresas que utilizam mão de obra escrava. Afirmo, pois entre liminares, hoje prevalece a proteção dos nomes das empresas que foram autuadas no Brasil por utilizar mão de obra escrava. Se existe proteção a marca, de certo o combate certamente deve ser frouxo, ou seja, as empresas que são os atores econômicas, convertem seu poder também em político. A preservação da marca é fundamental, afinal pode se compreender ela como um objeto de veneração ao “deus mercado”.

Criando uma linha lógica entre alguns pensadores e, observando as coisas como são, não há luz no fim do túnel. Pelo contrário, o que veremos é o estrangulamento além do limite. O pior ainda estar por vir antecedendo o colapso.

Será a própria fragilidade humana que irá prolongar seu próprio sofrimento. Freud mostra o homem como um ser insatisfeito, buscando a felicidade que está distante da realidade. O infinito, o transcender é apenas a resultado de sua fantasia. Aponta por essa razão a necessidade do homem de transcender, não se discute a existência de Deus mas da necessidade de Deus. Nietzsche critica a religião, o cristianismo, como instrumento utilizado para docilizar o homem. Marx aborda o viés alienante da religião, em sua visão, instrumento poderoso, dentre outros, para dominação de classe.

Portanto obtemos uma formula equilibrada para suprir de combustível, sangue, essas perversas engrenagens. O homem tende a ser manipulado, assim Deus como abstrato possui poderes infinitos. Materializando, o consumo se tornou sinônimo de felicidade e afirmação de identidade, ou seja, transcende. O Deus mercado é perfeito, nos permite transcender. E ao mesmo tempo nos dociliza e aliena. Dociliza quando consome cada vez mais de cada indivíduo durante o trabalho, resta tão pouco que a alienação vem naturalmente. O indivíduo carrega em si a cobrança por desempenho e aperfeiçoamento, pois só assim será capaz de consumir, e consumir é felicidade, identidade e veneração ao Deus mercado. Torna-se insensível ao modo fundamentalista, o mercado se autorregula e não há como “fazer omelete sem quebrar alguns ovos”, em nome da proteção do Deus mercado é justificável o sofrimento humano, a pobreza, desigualdade. Há quem justifique a importância do desemprego para o crescimento econômico.

Ao internaliza a ideia de “meritocracia”, o fundamentalista cego não consegue ver que, o que é, não precisa ser. Não se cria lógicas do absurdo para justificar as coisas como elas são. O Deus mercado é fortemente presente em nossa sociedade, nega-lo é estar deslocado.

Nossa identidade é medida pelo o que aparentamos ser. Como toda crença fundamental só pode ser, quem não está a venerar o Deus mercado não só está deslocado, como se sente deslocado em todas suas interações sociais.

O pior ainda está por vir, faz parte do conceito transcende de Deus o fato de que não sabemos e nem podemos precisar com exatidão quando ele surgiu, como Deus se fez Deus. Com esse abismo incompreensível e abstrato entre Deus e o homem podemos concluir que só Deus pode combater Deus. O Deus mercado utiliza todo seu poder para suprimir qualquer proposta de novo modelo de relações mercantis, trabalho.

Detentor dos instrumentos e regras possui poder infinito. Mas Zeus um dia matou seu pai e assumiu o seu lugar, o Deus dos Deuses, o que para nós, na prática é derrubar uma tirania e ascender outra. Seremos os responsáveis em abstrato. Esse Deus é sofisticado, sem percebermos ele entra em nossa vida e quando nos damos conta já estamos envolvidos para além dos limites. Assim o novo já estará completamente presente e enraizado quando percebermos.

No dia 23/03/2017, uma nova liminar ordena a divulgação da lista das empresas autuadas por utilizar mão de obra escrava no Brasil, não sabemos quanto tempo essa liminar terá valor, mas no mínimo essa guerra de liminares demonstra a proteção e poder do Deus mercado.

E justamente por isso que faço esse destaque, pois dois dias antes quando iniciei o texto a decisão vigente era contrária. E o que pode indicar que até a leitura voltemos ao status anterior relativo ao dia 23/03.

E as pessoas? O custo humano é baixo, pessoas são instrumentos, combustível para as engrenagens do mercado, sacrifícios são necessário e compreensíveis para veneração do Deus mercado, tal como se dizia que sacrifícios eram necessários em outras culturas, para outros deuses. Assim acordamos, tomamos café, dou uma olhada nas redes sociais e vou para o trabalho, mas antes claro vejo o vídeo de lançamento daquele produto que tanto espero e promete…

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