Redação Pragmatismo
Aborto 09/Ago/2017 às 11:56 COMENTÁRIOS
Aborto

Estuprada diversas vezes, menina de 10 anos tem aborto negado pela Justiça

Publicado em 09 Ago, 2017 às 11h56

Menina de dez anos que está grávida após ser estuprada e ter um aborto negado pela Justiça está no centro de um debate nacional na Índia. A cada 13 horas, uma criança com menos de 10 anos é estuprada naquele país

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Uma menina de dez anos que está grávida e teve um aborto negado pela Justiça está no centro de um debate nacional na Índia. A repórter Geeta Pandley viajou à cidade de Chandigarh, no norte do país, para contar sua história.

Já vimos muitos casos de adolescentes de 14 a 15 anos grávidas, mas esse é o primeiro que vi de (uma gestante) de dez anos“, diz Mahavir Singh, da Autoridade em Serviços Legais de Chandigarh.

Singh está envolvido no caso que chocou o país, protagonizado por uma menina que teria engravidado após ter sido estuprada diversas vezes por um parente, que está agora preso aguardando julgamento.

A criança é descrita como uma garota aparentemente feliz e que sorri com facilidade. É tímida e não fala muito. Inglês e matemática são suas disciplinas favoritas na escola. Ela ama desenhar e é boa nisso. Não se cansa de assistir aos seus desenhos animados favoritos, Chhoti Anandi (Pequena Anandi) e Shin Chan, nem de comer frango, peixe e sorvete.

Mas, em 28 de julho, a Suprema Corte da Índia rejeitou a petição feita em seu nome para que ela abortasse, afirmando que, com 32 semanas de gestação, ela estava em estágio muito avançado na gravidez. Um conselho médico avaliou que o procedimento seria “muito arriscado” para a garota a essa altura, e que o feto estava “indo bem”.

A decisão foi uma grande decepção para a família da vítima.

‘Ela não tem ideia do que aconteceu’

A lei indiana não permite abortos após 20 semanas a menos que médicos garantam que há riscos para a vida da mãe.

Mas, nos últimos anos, os tribunais receberam diversas petições para fazer isso após o prazo legal, muitas delas feitas por representantes de meninas que foram estupradas.

Muitas vezes, a gestação só é descoberta em um estágio mais avançado, porque as jovens mães não estão cientes de seu estado. Foi o caso desta menina de 10 anos: sua gestação só veio à tona após sua mãe levá-la ao médico por causa de uma dor abdominal.

Ela é muito inocente, não tem ideia do que aconteceu com ela“, diz uma pessoa que interage com a menina com frequência.

Seus pais também não notaram os sinais da gravidez, porque ela é uma “menina saudável e rechonchuda“. Além disso, eles não conseguiam nem sequer cogitar a hipótese de que sua filha de dez anos estaria grávida.

A menina ainda não sabe da gravidez. Quem lida com ela tem muito cuidado nas conversas travadas. Foi dito que ela tem uma pedra grande no estômago e que o inchaço se dá por causa disso. Uma dieta especial a base de ovos, leite, frutas, peixe e frango foi prescrita para a a garota, que parece estar gostando de receber uma atenção especial.

Mas, recentemente, há um entra-e-sai constante de policiais, assistentes sociais e advogados em sua casa, em torno da qual o circo montado pela mídia só faz crescer. “Ela não entende qual é exatamente o problema, a gravidade da situação, mas acho que tem alguma noção“, disse uma autoridade à BBC.

Seus pais têm dificuldades para lidar com a situação. Sua família é pobre e vive em um apartamento apertado de um dormitório. Seu pai é funcionário do governo, e sua mãe trabalha como empregada doméstica.

A policial Pratibha Kumari, que investiga o caso, os descreve como uma “família muito legal“. “Eles são tão simples que nem se deram conta do que aquele homem estava fazendo com sua filha.”

Os pais, afirma a policial, estão em choque. “Sua mãe não consegue falar comigo sem chorar. O pai fala que, para ele, é como se sua filha tivesse sido assassinada.”

Abusos frequentes

Na Índia, a cada 155 minutos, um menor de 16 anos é estuprado. O mesmo ocorre a cada 13 horas com uma criança com menos de dez anos.

Em 2015, mais de 10 mil crianças foram estupradas. Um estudo do governo apontou que 53,22% das crianças consultadas relatou ter sofrido algum tipo de abuso sexual – em metade dos casos, o criminoso é alguém de confiança da família ou que estava encarregado de cuidar das vítima.

No caso desta menina de dez anos, o acusado pelo estupro é primo de sua mãe, e chegou-se a questionar publicamente se ela não estaria ciente ou se até mesmo não seria conivente com o crime cometido contra a filha – “Como ela não sabia que a menina estava grávida?“, diziam algumas pessoas.

Sua situação só piorou com o cerco de jornalistas à sua casa, formado desde que o caso foi parar nas manchetes.

Quando o pai veio me ver“, diz Neil Roberts, diretor do Comitê de Bem-estar Infantil, “ele disse que seu maior problema é a imprensa. Ele contou que há repórteres na sua porta o tempo todo e que sua privacidade está sendo violada“.

Ao mesmo tempo, a atenção da mídia torna mais provável que ela receba os cuidados médicos necessários e seja indenizada pelo governo. Mas a notoriedade indesejada gera dor à família. Jornalistas já conseguiram entrar em sua casa se passando por assistentes sociais, por exemplo.

Tudo isso deixa seus pais com raiva e com uma grande mágoa. “Quero que ele (o autor do crime) seja punido severamente, que receba a pena de morte ou prisão perpétua. Ele já confessou o crime, mas nunca pediu desculpas“, disse o pai em uma conversa rápida por telefone.

Antes de desligar, ele pergunta: “Por que você está chamando tanta atenção para o caso da minha filha? A imprensa transformou isso em uma empreitada pessoal“.

Seus sentimentos são justificados – ainda que a lei proíba jornalistas de revelar a identidade de sobreviventes de estupros e de crianças vítimas de crimes, muitas pessoas conseguiram ligar os pontos, porque o nome do acusado foi muito divulgado na mídia. Agora, vizinhos e colegas de trabalho – e, possivelmente, colegas de escola da menina -, sabem quem é a família.

Futuro

Um jornalista local que está em contato com os pais da garota desde o início afirma que eles estão muito preocupados com seu futuro e o estigma que ela terá de enfrentar ao crescer. Seu pai também teme por sua saúde – exames indicam, no entanto, que ela está “bem“, ainda que tenha indícios de uma “leve anemia“.

Há outros temores. A menina nasceu com um orifício no coração, que foi fechado em 2013. Médicos afirmam ser improvável que isso interfira na gravidez, mas ainda resta o fato de ela ser muito nova para dar à luz.

Todos os anos, 45 mil mulheres adultas morrem durante o parto na Índia. O risco de morte para gestantes com menos de 15 anos é 2,5 vezes maior do que para aquelas com mais de 20. Especialistas afirmam que esse índice é ainda mais elevado para uma menina de dez anos.

Isso foi levado em consideração pela Suprema Corte, que ainda assim determinou que a gravidez deveria prosseguir.

Pessoas próximas do caso dizem que o bebê deve nascer em meados de setembro e que os médicos farão uma cesariana. Em caso de complicações, o parto pode ser antecipado. Como a família já manifestou sua vontade de não permanecer com a criança, ela ficará sob os cuidados de um comitê até ser colocada para adoção.

Médicos avaliam que a menina terá de lidar com traumas psicológicos e precisará de apoio por anos. “Estamos de dedos cruzados por ela“, diz uma assistente social.

Uma menina de dez anos pode ter um filho? Isso é uma ameaça à sua vida? Estamos rezando para que nada de ruim aconteça com ela.

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BBC

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