Meio Ambiente

O ser humano agora financia a guerra contra a própria vida

Share

Rumo ao fim da vida selvagem? Não tema apenas pelas espécies “ameaçadas”. Populações da maioria dos vertebrados estão sendo drasticamente reduzidas devido à ação humana. Leão é caso emblemático

Robert J. Burrowes | Tradução: Inês Castilho, Outras Palavras

Os seres humanos estão agora financiando a guerra contra a própria vida. Continuamos a destruir não apenas vidas individuais, populações locais e espécies inteiras em grande número, mas também os ecossistemas que tornam possível a vida na Terra. Ao fazer isso estamos acelerando o processo da sexta extinção em massa de espécies, na história do planeta, e virtualmente eliminando qualquer perspectiva de sobrevivência humana.

Num estudo científico publicado recentemente, “A Aniqulação biológica por meio da sexta extinção em massa em curso, assinalada pelas perdas e declínio da população vertebrada” [“Biological annihilation via the ongoing sixth mass extinction signaled by vertebrate population losses and declines”], os autores Gerardo Ceballos, Paul R. Ehrlich e Rodolfo Dirzo documentam a aceleração desse problema.

A sexta extinção em massa na Terra é mais severa do que se percebe ao olharmos exclusivamente para as espécies em extinção… Essa conclusão tem base em análise dos números e graus do alcance da redução… usando uma amostra de 27.600 espécies vertebradas, e documentando, numa análise mais detalhada, a extinção de populações em 177 espécies de mamíferos, entre 1900 e 2015.” A pesquisa deles descobriu que a taxa de perda da população de vertebrados terrestres é “extremamente alta” – mesmo em espécies consideradas “de baixa preocupação”.

Na amostra, que inclui perto de metade das espécies vertebradas conhecidas, 32% (8.851, entre 27.600) estão decrescendo; isto é, elas decresceram em extensão do território ocupado e tamanho da população. Em relação aos 177 mamíferos sobre os quais eles tiveram dados detalhados, todos tinham perdido 30% ou mais de sua extensão geográfica e mais de 40% das espécies experimentaram declínio severo da população. Os dados revelaram que “além da extinção de espécies globais a Terra está experimentando um enorme episódio de declínio e extinção de populações, que terá consequências negativas em cascata nos serviços e funcionamento de ecossistemas vitais para sustentar a civilização. Descrevemos isso como ‘aniquilação biológica’ para ressaltar a atual magnitude do evento da sexta grande extinção em curso.”

Para compreender o dano causado ao reduzir dramaticamente a variedade histórica e geográfica das espécies, considere o leão. A panthera leo “era historicamente distribuída pela maior parte da África, sul da Europa e Oriente Médio, chegando até o noroeste da Índia. Agora ela está confinada a esparsas populações na África sub-saariana e a uma população reminiscente na floresta Gir da Índia. A grande maioria das populações de leão acabou.”

Qual a razão disso acontecer? Ceballos, Ehrlich e Dirzo nos explicam: “Nas últimas décadas, a perda de habitats, overexploração, organismos invasivos, poluição, toxicidade e, mais recentemente, perturbação climática, bem como a interação entre esses fatores, levaram a declínios catastróficos em número e tamanho das populações tanto de espécies vertebradas comuns quanto raras.”

Além disso, contudo, os autores avisam: “Mas o verdadeiro alcance desse extermínio em massa foi subestimado, por causa da ênfase na extinção das espécies.” O fenômeno pode ser rastreado pela omissão do extermínio acelerado das populações de cada espécie.

O extermínio de populações é um prelúdio para a extinção de espécies — portanto, o processo da sexta extinção em massa na Terra avançou além do que a maioria assume.” Além disso, e de modo importante a partir de uma estreita perspectiva humana, a perda maciça de populações locais já está causando danos aos serviços oferecidos pelos ecossistemas à civilização (que, é claro, não recebem nenhum valor de economistas de mercado).

Como recordam Ceballos, Ehrlich e Dirzo: “Quando consideramos esse assalto apavorante aos fundamentos da civilização humana, nunca se deve esquecer que a capacidade da Terra para sustentar a vida, incluindo a vida humana, foi constituída pela própria vida.” Quando se debate a crise de extinção, ela em geral “destaca as poucas espécies animais (provavelmente emblemáticas) conhecidas por terem sido extintas — um fenômeno capaz de projetar, no futuro, a extinção de muitas outras.” Contudo, um exame nos mapas do processo revela um quadro muito mais realista: o número de animais que já compartilharam a Terra conosco está reduzido pela metade — o que significa bilhões de indivíduos exterminados.

Os autores sustentam que sua análise é conservadora, dada a trajetória crescente dos fatores que levam à extinção, além da sinergia de seus impactos. “As perdas futuras podem facilmente levar à rápida defaunação do planeta e a perdas comparáveis na diversidade de plantas, inclusive a coextinção local (e eventualmente global) de plantas causada pela defaunação.”

Ceballos, Ehrlich e Dirzo concluem com uma observação assustadora: “Assim, enfatizamos que a sexta extinção em massa já está aqui e a janela para ação efetiva é muito estreita.”

Claro, é muito tarde para aquelas espécies de plantas, pássaros, animais, peixes, anfíbios, insetos e répteis cuja extinção já foi provocada pelos humanos — ou será, no futuro. Duzentas espécies ontem; duzentas hoje; duzentas amanhã. E, como enfatizam Ceballos, Ehrlich e Dirzo, o contínuo extermínio diário de uma miríade de populações locais.

Se você avalia que a informação acima já suficientemente ruim suficiente para avaliar das perspectivas da sobrevivência humana, leve em conta, também, algo pior: a realidade exposta no trabalho impacta desfavoravelmente nossas perspectivas de uma maneira que os autores não puderam avaliar.

Enquanto Ceballos, Ehrlich e Dirzo, além dos problemas apontados acima, também identificaram a superpopulação humana e o superconsumo (baseado na “ficção de que o crescimento perpétuo pode ocorrer num planeta finito”) e mesmo os riscos colocados pela guerra nuclear, há muitas variáveis que estavam além do escopo de seu estudo.

Por exemplo, numa discussão recente do da ecologia conhecido como “Ciência dos Limites Planetários”, o ambientalista e escritor norte-americano Glen Barry identificou “pelo menos dez catástrofes ecológicas globais que ameaçam destruir o sistema ecológico global e prenunciam o fim dos seres humanos, e talvez de toda a vida. Da deposição de nitrogênio à acidificação dos oceanos, quase todos os sistemas ecológicos de que a vida depende estão arruinados”. Veja “O fim da vida: mudanças climáticas abruptas, uma das muitas crises ecológicas que ameaçam destruir a Biosfera” [“The End of Being: Abrupt Climate Change One of Many Ecological Crises Threatening to Collapse the Biosphere”].

Fora o número de mortes humanas em curso, causadas pelas guerras sem fim e outras violências militares conduzidas por todo o planeta (veja, por exemplo, “Cólera no Iêmen é a pior já registrada e os números ainda estão subindo”, estes conflitos provocam um dano ambiental catastrófico. Para ter uma ideia, veja “O Efeito Tóxico do Projeto Bélico” [“The Toxic Remnants of War Project”].

Além disso, a emissão incontrolada de gás metano na atmosfera que ocorre atualmente – veja “7.000 bolhas de gás subterrâneo prestes a ‘explodir’ no Ártico” [“7,000 underground gas bubbles poised to ‘explode’ in Arctic”] e “Emissão de gás metano no Ártico ‘pode ser apocalítica’, alerta estudo” [“Release of Arctic Methane ‘May Be Apocalyptic’, Study Warns”] e a divulgação, a cada e todo dia, de 300 toneladas de lixo radiativo de Fukushima no Oceano Pacífico – veja “Radiação de Fukushima contaminou todo o Oceano Pacífico – e ainda vai ficar pior” [“Fukushima Radiation Has Contaminated The Entire Pacific Ocean – And It’s Going To Get Worse”].

Ademais, há uma série de outras questões críticas – como a destruição das florestas tropicais da Terra, a destruição dos cursos d’água e o habitat marinho e o impacto devastador da pecuária – que as organizações internacionais tais como a ONU, governos e corporações multinacionais recusam-se a combater por serem controladas por uma insana elite global. Veja “A elite global é insana” [“The Global Elite is Insane”] com explicações mais completas e elaboradas em “Por que a violência?” e “Psicologia destemida e psicologia medrosa: princípios e prática” [“Fearless Psychology and Fearful Psychology: Principles and Practice”].

O tempo pode ser pouco, as questões extremamente preocupantes e as perspectivas de vida, assustadoras. Mas se você está inclinado a lutar até o último suspiro, é possível a agir coletivamente na luta por nossa sobrevivência. Alguns estudos podem sugerir caminhos para tanto. Em The Flame Tree Project to Save Our Life, há uma estratégia de quinze anos, baseada em redução dos ataques à natureza, redução drástica do uso de combustíveis sólidos, metais, papel, plástico e carne e em reparação de danos: reflorestamento com espécies nativas, recuperação dos solos, etc. É possível agir também em pequena escala (por meio de atitudes individuais e em plano local).

Podemos estar aniquilando a vida na Terra, mas isso não é algo inevitável. Cada um de nós tem uma escolha: podemos decidir não fazer nada, podemos esperar (e até influenciar) que outros ajam, ou podemos participar de ações poderosas. Mas a menos que sinta e faça uma escolha consciente e deliberada de comprometer-se com uma ação efetiva, sua escolha inconsciente será a que prevalecerá (inclusive aquela de tomar medidas vazias e iludir-se de que estão fazendo alguma diferença). E o aniquilamento da vida na Terra continuará, com sua cumplicidade.

A extinção espreita. Você fará a escolha certa?

Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook