Redação Pragmatismo
Michel Temer 03/Ago/2017 às 16:29 COMENTÁRIOS
Michel Temer

No reino do baixo clero, Michel Temer mostra ao PT como se faz

Publicado em 03 Ago, 2017 às 16h29

No dia em que surgiram as gravações de Joesley, revelou-se que a política brasileira chegara ao limite de um poço e que o governo Temer ruiria como um Castelo de Cartas. Mas no reino do baixo clero, em que a fauna e a flora são exóticas até mesmo para o Brasil, Michel sobrevive

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Carlos Melo*, seu blog

No dia em que vieram a público as gravações de Joesley Batista, revelou-se que a política brasileira chegara ao limite de um poço, cujo fundo é de areia movediça. Ansiosos se apressaram em crer que o governo Temer ruiria como um Castelo de Cartas, House of Cards do Brasil. Escrevi que, no entanto, era ”cedo para dizer se a pinguela caíra ou não” (leia aqui); o sistema, afinal se protege, possui resiliência; há meios para prolongar sua agonia, pois não lhe falta lenha para alimentar a fornalha do fisiologismo.

Em virtude da força do Diário Oficial, o Executivo exerce descomunal ascendência sobre o Legislativo; o poder dispensa justificativas. Nem requer raciocínios complexos e sofisticados em sua defesa. Joga-se o jogo e ponto. Dilma Rousseff é que não soube se movimentar em campo, e, em razão da soma de erros que colecionou e da soberba que nunca conseguiu disfarçar, deu no que deu.

Nesse aspecto, Michel Temer ensina ao PT como se faz — pelo menos, nos parâmetros de determinados padrões éticos, os quais, esta análise, exime-se de comentar. Enfim, dependendo do critério, ponto para Temer. Mas, o resultado não foi de admirar e nem significa que o jogo tenha chegado ao fim.

Bem, na noite desta quarta-feira, o país tornou a assistir ao triste desfile de aberrações políticas. A fauna e a flora são exóticas até mesmo para o Brasil, comparado consigo mesmo num tempo não muito distante. A Câmara, que já teve Ulysses, Tancredo, Thales Ramalho, Carlos Lacerda, Jorge Amado, Marighela, Mário Covas, Florestan Fernandes é, agora no mais das vezes, o reino do baixo clero: deputados folclóricos e provincianos, mal articulando um voto ou uma desculpa.

Sem o glamour patético do impeachment — daqueles de quem chuta cachorro morto —, na maioria dos casos, parlamentares constrangidos diante das câmeras agarravam-se aos microfones do Plenário para desfilar argumentos frouxos, desconectados da sociedade — a política parlamentar resultou num fim em si mesmo. A favor ou contra Michel Temer, não importa, a vergonha alheia, transmitida ao vivo, foi mais uma vez a estrela da sessão.

Rei da moralidade, o PT, sem a imprescindível autocrítica, omitia o passado; rainha da virtude, a base governista tentava esconder o presente sob o tapete. Metamorfoses ambulantes, muitos dos mesmos parlamentares que votaram contra ou a favor de Dilma Rousseff se posicionavam a respeito de Michel Temer com sinais trocados. Poucos mantiveram coerência com os discursos de um ano atrás.

Igualmente desconcertante foi a forçada louvação da economia com que governistas buscavam justificar seus votos, como quem pede perdão. Estivesse a economia a minimamente resolvida, poder-se-ia — vá lá — admitir ser a verdade e ”seu dom de iludir”. Mas, no caso, nem verdade é. Pelo menos, não a verdade com a qual o país já possa se gabar.

Outra ironia que brotava era a que soava a cada vez em que os tucanos diziam ”não” ao parecer de Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e seus colegas peemedebistas (e congêneres), com escárnio, assinalavam a defesa de Michel Temer, dizendo votar ”a favor do relatório do PSDB”. Os partidos ruíram junto com a lógica: a dor e a delícia de ser e não ser, ao mesmo tempo, o que se é.

Mas, assim como, no Joesley Day, era cedo para dizer se a pinguela caíra ou não, também agora é precipitado afirmar que a agonia de Michel Temer chegará ao fim. Primeiro, porque sua vitória não foi avassaladora, está abaixo do quórum constitucional de reformas; ficou aquém das expectativas despertadas pelo próprio governo; no mais, não condiz com o esforço de reuniões e a magnitude de liberações de cargos e recursos, flores do recesso.

O governo se protegeu, está no jogo; e segue o jogo. Só isso — por enquanto. Muito dependerá da repercussão da votação, da disputa de ”narrativas” nos próximos dias. Como se sabe, estão prometidos mais dois pedidos de autorização para investigar o presidente: um, por formação de quadrilha; outro, por lavagem de dinheiro. A oposição ao governo, não está exatamente no Congresso, mas no Ministério Público e na sociedade. Tudo dependerá de fatos novos, das flechas e bambus que Rodrigo Janot ainda pode ter guardado.

*Carlos Melo é cientista político e professor do Insper.

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