As pessoas que me assaltaram refletem como a sociedade fecha os olhos para o problema de saúde pública que são as drogas e prefere ignorar os marginalizados que perambulam, dormem pelas calçadas e utilizam entorpecentes
Mariana Moreira, Jornal GGN
“Ontem fui roubada no Centro do Rio. Levaram tudo: cartão de débito e crédito, documentos, bilhete único, meu amado alelo refeição, Iphone, maquiagem, caderno com meus textos… tudo. Só me sobrou a alça da bolsa.
Quatro homens e uma mulher, aparentemente sob efeito de drogas e em situação de rua, abordaram minha amiga e eu, quando voltávamos de um curso de Hacking Cívico.
Sim, a gente estava discutindo política e democracia antes de sermos roubadas.
Não vou dizer que o coração não doeu, que as lágrimas não desceram e que meu corpo todo não ficou anestesiado. Mas depois de abraçar meus pais e agradecer por estar bem, percebi que a militância é cada vez mais necessária.
A situação que vivi é o desenho do desarranjo social. Resolvi, durante a madrugada, rascunhar uma análise bem rasa: As pessoas que me assaltaram refletem como a sociedade fecha os olhos para o problema de saúde pública que são as drogas e prefere ignorar os marginalizados que perambulam, dormem pelas calçadas e utilizam entorpecentes.
Nós não queremos vê- los. Preferimos negar a existência à buscar uma solução humana e eficiente.
Dá no que dá.
A delegacia onde fui prestar queixa estava lotada de pessoas que haviam sido pegas em flagrante. Todos homens negros.
Sintomático quando analisamos o racismo estrutural e institucional no país, que insiste em negar direitos básicos como educação e empurra a população preta para a invisibilidade. Mas alguns dizem que somos vitimistas, quando não apontam o racismo reverso. (haha)
Os Policiais Militares, que foram muito respeitosos e atenciosos comigo, estavam nitidamente cansados. Tive uma breve conversa com eles e percebi o quanto a rotina é maçante, doída e sem condições. Não é de graça que exigimos uma polícia que não só mate menos, como também morra menos. Eles morrem aos montes.
O Estado financia não só o extermínio da população negra e pobre, como também empurra seus funcionários na direção da bala.
Nessa madrugada, tentei provocar um revirão e entender essa bosta de acontecimento como uma reafirmação das minha idéias. Interpretei o assalto como uma mensagem do além: “Coé, Mari, ta lutando pelas causas certinhas. Continua, garota. Vamo tentar mudar isso aí.”.
Não sou ingênua em acreditar que vou mudar o mundo, mas faço o que posso pra defender a democratização de oportunidades, a humanização do olhar sobre os excluídos, uma política honesta e voltada para os mais pobres e um sistema educacional de qualidade e universal.
É isso, Freud pode achar que criei essa narrativa para aliviar minha dor, mas acho que faz sentido e alimentou minha vontade de viver um país menos doente. Sei que tem MUITA gente nessa missão. Bora junto.”
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