Semidemocracia
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
A última proposta do Michel Fora Temer é implementar um semipresidencialismo no Brasil. Ganha uma visita ao Palácio Jaburu em horário madrugadino e fora da agenda oficial quem souber responder o que é isso.
O Presidente-Réu avisou que está conversando sobre o assunto com o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia e com o insuspeito Ministro Gilmar Mendes. É que o Homem das Mesóclises é, como ele mesmo ressalta, um sujeito de diálogo, pois oriundo do parlamento. Ele parla com o Eliseu Padilha, com o Romero Jucá, com o Aécio Neves, com a nova procuradora-geral – que ele escolheu à revelia da vontade da maioria dos membros do Ministério Público-, ele parlou até com o – palavras dele- bandido Joesley Batista. O Palácio do Jaburu é um parlamento presidencial.
O Fora Temer só não dialoga com a população. Ganha um gravador de voz quem disser um projeto de destruição aprovado ou em discussão em que a população pôde de fato expor seu ponto de vista. Os representantes do golpe, liderados pelo Fora Temer, ouviram até as panelas que clamavam fora Dilma. Depois daí, as caçarolas voltaram pras cozinhas e nunca mais ecoaram. Outros gritos e barulhos soaram, mas a direita não os ouviu. O Homem de Diálogo fechou os tímpanos a eles. Ainda mais que esses barulhos não marcaram hora na agenda extraoficial – são tantos os compromissos extraoficiais, que até precisam de uma agenda-dois.
Em busca duma maior aceitação junto aos eleitores, os políticos resolveram que é o momento de se fazer a tão aguardada reforma política. Com a iminência duma vitória lulista ano que vem, a direita se apressa em mudar as regras, tirando a supremacia de poder do presidente.
O PSDB sempre propõe o parlamentarismo ou algo do tipo depois das suas derrotas ou quando não vislumbra vitória. O não-partido PMDB sempre foi fiel à sua proposta: manter-se no poder seja qual for o sistema vigente ou partido vencedor, que o não-partido PMDB nunca vence as eleições presidenciais. Pelo menos não por vias eleitorais. Até já desistiu de lançar candidatura. E chamam isso não de oportunismo, mas de pragmatismo.
É verdade que a população clama por mudanças nas regras eleitorais. As atuais normas são confusas e permitem promíscuas relações (coligações) entre partidos e partidários. Há candidatos que concorrem somente pra puxar alguns votos e, depois do pleito, assumem um cargo comissionado, em que vai trabalhar pouco e ganhar mais do que os servidores de carreira, que estão sendo culpabilizados pelas crises nas finanças públicas. Outra situação é a dos parlamentares puxados do poder legislativo pra assumir alguma secretaria ou ministério. Isso, além de fazer assumir um suplente que teve teoricamente poucos votos, ainda compromete o caráter de fiscalização e independência que um poder tem sobre o outro. E há também a regra do quociente eleitoral, que, não raro, faz candidatos com reles votos ganharem uma cadeira e também não raro deixa de fora outros com expressiva votação.
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A população clama por mudanças, melhorias. Mas certamente essas modificações não podem ser feitas de cima para baixo, sem a participação dos maiores interessados – pelo menos deveria ser assim -, os eleitores. Além de estar ao largo das discussões, as propostas que circulam são ainda mais confusas e dão mais poder aos chamados caciques dos partidos, diminuindo o poder de decisão do povo. O parlamentarismo já foi rechaçado pelos brasileiros duas vezes. O voto em lista fechada é um deboche. O distritão ou distritão-misto ninguém conseguiu defender ou mesmo explicar. Pelo que vi, só no Afeganistão há esse sistema. Pequenas mais importantes mudanças e proibições já melhorariam muito, mas prejudicaria os chamados políticos profissionais.
E o paradoxo disso tudo, quem encabeça a mudança pra pior nas votações é um presidente inegavelmente golpista, que desrespeita a democracia e a própria noção geral de justiça e tem um índice de rejeição maior do que presidentes ditatoriais-militares da nossa história.
A passar alguma(s) dessa(s) mudança(s), retrocederemos à semidemocracia. Ganha seu nome numa lista fechada que conceituar esse termo.
*Delmar Bertuol é escritor, professor de história, membro da Academia Montenegrina de Letras e colaborou para Pragmatismo Político