Cantor Roger, do Ultraje a Rigor, faz com que debate sobre arte descambe para a baixaria e ataca artista plástica Adriana Varejão com conteúdo pornográfico e depreciativo
Depois que o Santander Cultural anunciou, no último domingo (10), o cancelamento da mostra Queermuseu: Cartografias da diferença na arte brasileira, sobre diversidade sexual na arte, representantes da sociedade civil, artistas e internautas se manifestaram em protesto contra a decisão, que acarretou em um amplo debate sobre a liberdade na arte nas redes sociais.
Em cartaz desde agosto em Porto Alegre, a exposição se tornou alvo de protestos e reclamações nas redes sociais por representantes religiosos e pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que acusavam a Queermuseu de promover “blasfêmia”, “imoralidade” e “pedofilia”.
Composta por pinturas, fotografias, gravuras, vídeos e esculturas de nomes como Cândido Portinari, Ligia Clark, Alfredo Volpi, Clóvis Graciano e Adriana Varejão, a Queermuseu contava com mais de 270 obras. Entre as obras mais criticadas pelo MBL estão uma reprodução de Jesus Cristo com vários braços e desenhos de crianças com as frases “Criança viada deusa das águas” e “Criança viada travesti da lambada”.
Entre os vários manifestos ocorridos desde o anúncio do encerramento, personalidades como o jornalista e escritor Xico Sá utilizaram seus perfis na rede social para manifestar contrariedade à decisão do banco. “Que pisada na bola, Santander. Que atraso, Santander Cultural. Que ato a favor das trevas, minha gente”, publicou Sá. O apresentador Ronald Rios também reforçou o coro de críticas: “Essa história do Santander é a melhor prova que as marcas adoram falar essa palavra ’empoderamento’ mas sem de fato empoderar.”
Roger Moreira ataca Adriana Varejão
Ao ler uma entrevista à Folha em que Adriana Varejão, uma das participantes da exposição, defende a liberdade para a criação artística, o cantor Roger Moreira, do Ultraje a Rigor, partiu para o campo das ofensas.
O músico rabiscou uma foto da artista plástica: cruzes sobre os olhos, um falo gigante sobre a boca e, sobre a camisa branca, em cor negra, a palavra “Puta”. O que Roger queria não era questionar — ele queria, claramente, agredir alguém que pensa diferente dele.
A intervenção artística tem caráter político ou de denúncia social quando se volta contra um poder estabelecido. Isso justifica, por exemplo, os protestos contra Donald Trump. Eles não são contra Trump em pessoa, ou não apenas contra ele, mas contra tudo o que ele representa. Donald Trump está no poder. Já Adriana Varejão acaba de ser tirada de cartaz por um movimento de que o próprio Roger Moreira é representante.
Atacá-la é espezinhá-la, uma agressão gratuita que, a título de defesa, ele chama também de humor. No Twitter, o músico vem alegando que, como a arte, o humor deve ser livre. Uma posição controversa que leva a discussões entre os próprios humoristas, a reflexões e a crises de consciência. Neste ano, a americana Kathy Griffin se deixou fotografar segurando a cabeça cortada de Trump. Era encenação, claro, e Trump é um poder constituído, mas pouco depois Kathy avaliou que passou dos limites e pediu desculpas.
Parece uma quimera esperar que Roger pense no que fez. Ao menos, é a sensação que se tem ao ver como os críticos da mostra de Porto Alegre sustentam a sua posição. Vê-se um total desconhecimento – para não dizer ignorância – de valor e de história da arte, que sempre contou com quadros polêmicos, com teor obsceno e provocativo. Uma das maravilhas da arte, afinal, é cutucar e fazer pensar. Vê-se também uma distorção – para não dizer subversão – dos sentidos propostos pelas obras, que muitas vezes têm um detalhe destacado, fora de contexto.
Mas esse é o nível geral do debate, ao menos entre parte da extrema direita. Em artigo na Folha, o MBL disse que o brasileiro não é mais “cordeirinho” (oi?). Não, ele agora é puro e casto. E, nas redes sociais, pululam manifestações de gosto duvidoso contra uma exposição que se propunha a discutir a diversidade.
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