Documento histórico: leia a íntegra de carta de Otto Wächter sobre possível fuga para o Brasil. Comandante nazista assinava com o pseudônimo Alfredo Reinhardt
Caro Ladurner!
Eis que volto agora da cidade completamente acabado. Durante o dia a temperatura chega a graus consideravelmente mais quentes. Mas as noites esfriam maravilhosamente. Eu agora entendo porque todos os homens aqui vestem camiseta regata por baixo da camisa. Resfria-se muito facilmente com a mudança de tempo, razão pela qual o guia Baedecker e a experiência de Deterling acham aqui muito pior que no Norte. Agora, vamos ao que interessa:
I. Documentos: nenhum progresso desde minha última carta. Situação em nada mudou! – O P.A. prometido [passaporte, possivelmente] tampouco tenho em mãos ainda; devo conseguir na próxima ou nas próximas duas semanas.
II. Emigração. – Aqui lhe dou o resultado das conversas que tive nos últimos dias a respeito desse assunto. Garantias sobre a pertinência deles, naturalmente não posso endossar.
Segundo Hu. [Alois Hudal, possivelmente], passaportes da Cruz Vermelha não serão mais expedidos após o fim de maio. Essa função será então transferida para um departamento do Vaticano. Ele acredita que o documento emitido pelo Vaticano poderá ter menos valor que os atuais (que por sua vez já possuem reconhecimento bastante limitado).
Detering tem outra opinião e diz que esse tipo de afirmações já se repetiram várias vezes sem jamais terem sido provadas. – O processo de obtenção você conhece. É preciso ter prova de apátrida. H. poderia lhe fornecer uma, mas somente sob o seu nome verdadeiro! – D. tem outro caminho, que também possibilita outras coisas.
Como o lance da “Libre” continua e continuará evidentemente enrolado, H. sugere pegar um visto de turista, que segundo ele é possível obter com um passaporte da Cruz Vermelha, para conseguir chegar até lá. As cerca de 150.000 liras necessárias, ele sugere pegar emprestado aqui, pois ficaria muito feliz com a possibilidade de conseguir dinheiro bom em troca. – (Eu sei o quão teórica é a coisa, mas quero lhe reportar sobre tudo, e especialmente as possibilidades discutidas. E quem sabe se, enquanto isso, você mesmo já não tenha encontrado um financiador de peso!?). Aqui achamos que, quando você estiver já do outro lado, você vai se virar de alguma forma. –
Segundo H., um visto de turista é concedido mediante apresentação de quaisquer informações sobre intenção ou motivos de visita.
Em conversas com atuais candidatos à Argentina, pude verificar que estes, devido às conhecidas dificuldades, foram até o Brasil para mudar de profissão. –Você deverá fazer o mesmo quando estiver do outro lado, para aumentar suas chances de sucesso. –O consulado que emite o visto (Br. [Brasil] não tem conhecimento de nenhum “Libre”) exige:
1) Passaporte (também da Cruz Vermelha, desde que junto com qualquer documento mais antigo, de antes da Guerra, e com fotografia; carteirinha de clube alpino, por exemplo, deve servir).
2) Certidão de Nascimento
3) Certidão de Casamento
4) Carteira profissional (do tipo técnico ou agronômico), ou um atestado de que trabalhou por mais de dois nessa tal profissão (atestado da firma é suficiente).
5) Declaração de que não é comunista (anexo nesta).
Também conversei com um senhor que se encontra na mesma situação que você, e que também espera (para ir à) Argentina desde dezembro. Ele me contou uma notícia direto da fonte: os brasileiros na verdade não reconhecem os passaportes da Cruz Vermelha, mas se contentariam com um passaporte austríaco ou I.Karte [carteira de identidade]. Além disso, é possível falar de maneira bem aberta com eles, sem que as autoridades austríacas tomem conhecimento. As outras quatro exigências supracitadas são, segundo ele, também necessárias.
Ele mais tarde comentou, quando falávamos do seu caso, que acreditava poder levantar o financiamento para lhe ajudar (da mesma maneira que havia conseguido para si). Condição indispensável para isso é que você declare ser Protestante (isso mesmo: Protestante!!). –Trata-se aqui da organização que já financiou a viagem de um grande número de interessados, e da qual até há pouco fazia parte aquela famosa dama americana. Naquela época também pagavam, excepcionalmente, para pessoas de outras confissões, mas agora, com a mudança de regime, essa opção está infelizmente descartada. – Eu devo dizer que essa pessoa de que falo me parece ser um homem bastante sério, depois de tudo que pude saber sobre ele. – O dito cujo também disse que daqui dez dias, ou seja, lá pelo dia 20, estará aqui pra pegar seu navio. Nesse tempo ele poderia lhe dar uma ajuda nessas coisas, conforme ele mesmo disse. –Eu sei muito bem que essas coisas não lhe agradam por princípio, mesmo assim não gostaria de deixa-lo desinformado sobre esta possibilidade, e lhe manterei informado do que acontecer.
Quanto a uma eventual permanência aqui, seria possível lhe arranjar almoço e jantar de graça no refeitório papal, em princípio por uma semana (renovável). É meio primitivo, assim como a companhia, mas é o que há. – A grande dificuldade continua sendo como sempre o bairro. Eu acabei agora mesmo de falar sobre isso com D. Nós não vemos nenhuma outra possibilidade (para pernoite), além do instituto onde eu dormi na minha primeira semana (400 por noite com café-da-manhã 450) ou uma pensão que D. citou (300 a 350 por noite). Se você ficar apenas na semana até o dia 20, é possível agitar. – Eu aguardo assim a sua decisão.
Eu gostaria ainda de enfatizar, como já o fiz na minha primeira carta, que se você quiser vir até aqui por documentos, os custos e despesas no momento não valem a pena. Se você tem interesse nas coisas aqui discutidas e ainda consegue encarar todos os obstáculos e cumprir todos os requisitos, aí sim as suas despesas e o seu tempo estarão mais que justificados. No caso de você não querer ir ao Brasil, e essa oferta vale só para lá, você poderá economizar seu dinheiro tranquilamente e deixar a manivela girando comigo, como venho fazendo há tanto tempo durante essa longa estadia aqui. De toda maneira haverá sempre nuances aparecendo, as quais, quando eu achar relevante, continuarei lhe informando como nesta.
Aquele sujeito que o Pri. e o seu amigo Redator bem chamavam de Croata infelizmente já se foi para a Argentina há bastante tempo. E não deve voltar nunca mais.
Se você vem até aqui, melhor tomar o trem noturno que chega de manhãzinha para não passar pelas mesmas complicações que eu passei, e me avise com antecedência por telegrama.
Neste ínterim, cordiais saudações,
Alfredo Reinhardt
Por favor me escreva o endereço daquele parente meu de nome, o seu antecessor R., que está na Argentina. Gostaria de escrever a ele e me informar sobre o mapa (pode ser também um cartão).
Grande abraço e um beijo nas mãos de Frau F.
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