Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
O senador Lasier Martins – que os gaúchos elegeram em detrimento do Olívio Dutra – deu parecer favorável ao projeto que propõe o fim da estabilidade dos servidores públicos. É mais uma proposta que aproveita o (des)andar da esteira conservadora que carrega nosso país desde pelo menos as eleições de 2014.
Não vi pesquisas neste sentido, mas apostaria uma mala de dinheiro – se um apartamento emprestado recheado com malas abonadas eu tivesse – que a ideia é do agrado da maioria da população, que se deixa levar pelo retrocesso.
Até entendo o equivocado sentimento de desigualdade que os empregados da iniciativa privada, pressionados pelas malfadadas metas e temorosos de comporem o grupo de catorze milhões de desempregados que o Fora Temer não conseguiu fazer que entrasse no mercado, sentem com relação aos servidores públicos. Porém, alguns esclarecimentos devem ser feitos a fim de mudar a percepção errônea que o pensamento mediano tem acerca do que se entende por estabilidade do funcionalismo do estado.
Noutra hipotética pesquisa, eu seria capaz de casar uma emenda parlamentar das graúdas como a maioria dos entrevistados seria contra a possibilidade de prefeitos, por exemplo, contratarem funcionários livremente, sem concurso, utilizando somente o subjetivo critério da competência. Os governantes podem fazer isso, diga-se, pra suprir cargos de direção, de chefia e de assessoramento, justamente pra manter na administração pública a ideologia política apresentada à e aprovada pela população nas eleições. Entretanto, há também que se fazer um parênteses: (é, infelizmente, comum os prefeitos, pra ficar no mesmo exemplo, contratarem os chamados CCs pra exercerem cargos burocráticos e não os de chefia. Pra burlar a lei e nomear os outrora cabos eleitorais, são contratados servidores pra exercerem fictícios cargos de “chefes de equipe”, de “líderes de grupo”, de “assessor isso” ou “assessor aquilo”. Em verdade, não chefiam e nem assessoram nada. Fazem expedientes que caberiam a funcionários de carreira). Voltando à inexistente pesquisa, se não concordaríamos com contratações incondicionais (ou condicionadas a questões político-partidárias), pela mesma linha de raciocínio, não poderíamos concordar com demissões incondicionais (ou nova pesquisa, desta vez valendo um gravador de conversa: alguém acredita que questões político-partidárias não seriam motivos às dispensas?) .
O citado senador, que se elegeu pelo pretenso trabalhista PDT e depois migrou pro pragmático PSD, defendeu que a estabilidade motiva a mediocridade laboral dos funcionários. A esse tipo de argumento, sempre se soma o desejo de estabelecer metas aos servidores, como se funcionários do Banco Santander (que cedeu à pressão de meia-dúzia de integrantes do MBL e cancelou uma mostra cultural. Sim, era arte) os servidores fossem. Ora, não só o serviço público não visa ao lucro, tal qual os bancos, como segue outra lógica que não a de uma fábrica de produção intermitente.
Além disso, estabelecer prévios resultados aos funcionários públicos é lhes transmitir uma responsabilidade que é do governo e da própria sociedade. Ignorar-se-á o contexto social e infraestrutural da comunidade escolar e se cobrará tão somente dos professores melhores resultados dos cada vez mais carentes alunos? Da mesma forma, caberá somente aos policiais a diminuição dos alarmantes índices de violência, os quais estão diretamente ligados, entre outros, às precárias condições escolares a que o agora criminoso teve antes acesso?
Os serviços burocráticos não encontrarão melhor sorte. É culpa dos servidores que as estruturas administrativas públicas são por vezes morosas?
Há os que acusam os servidores de serem preguiçosos e com má-vontade. Desconhecem, entretanto, que há mecanismos e legislação – a própria Constituição Federal e, como não bastasse, os regimes jurídicos próprios – que prevê punição para a desídia no exercer do cargo. Melhor, há previsibilidade de punições para todas as faltas possíveis que o servidor vier a cometer. Muitas, inclusive, ensejam a demissão sem qualquer tipo de indenização.
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A chamada estabilidade no serviço público, que não é irrestrita e que substituiu o FGTS do servidor, não protege o servidor incondicionalmente, repito sempre. Apenas lhe defende de desmandos políticos, ideológicos e/ou pessoais, já que a impessoalidade é princípio da administração pública. Claro que isso dá certa tranquilidade a quem ingressou meritoriamente – conceito tão defendido pelos conservadores! – no serviço público depois de aprovado num difícil e concorrido concurso. Mas é também uma garantia à população de que o estado democrático de direito está sendo respeitado.
*Delmar Bertuol é escritor, professor de história, membro da Academia Montenegrina de Letras e colaborou para Pragmatismo Político
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