A Lei não é para todos? Nome mais apropriado para filme da Lava Jato, financiado por corruptos, seria 'O dia em que Serápis foi ao cinema'´
Fábio de Oliveira Ribeiro, Jornal GGN
O culto de Serápis foi introduzido no Egito pelo governante grego que se instalou no país após a morte de Alexandre, o Grande. Identificado com Osíris, deus egípcio que julgava os mortos na “Sala das Duas Verdades”, Serápis tinha entre seus atributos pureza, ascenção, artes e ressurreição.
Tanto Osíris quando Serápis estão relacionados à distribuição de justiça, pois esta só pode existir onde predomina a verdade processual, a pureza (isenção, ausência de preconceitos ou preferências) e a elevação em relação às partes e seus advogados. Não por acaso em quase todos os Fóruns brasileiros o juiz se senta numa posição elevada em relação às partes. Isto simboliza tanto a independência dele em relação às partes como sua obrigação de julgar o processo sem se deixar influenciar por amizade ou ódio em relação a uma das partes.
Durante todo o processo de Lula, o juiz Sérgio Moro foi tratado pela imprensa (especialmente pela revista Veja) como se fosse o verdadeiro acusador do ex-presidente. Ao proferir a sentença, ele escreveu mais de uma centena de páginas sobre as alegações de acusação e diversos parágrafos sobre sua própria atividade no processo. Mas ele dedicou à tese da defesa apenas algumas linhas. A isenção de Sérgio Moro, comprometida no exato momentos em que se desviou da Lei – desnecessária e ilegal ordem para a condução coercitiva de Lula e a violação criminosa, com evidente intuito político, do sigilo atribuído a gravação da conversa entre a presidenta Dilma Rousseff e o réu), ficou evidente na condenação. A falta de equilíbrio e distanciamento do juiz em relação à acusação e Lula é evidenciada estruturalmente pela decisão que foi proferida.
Não bastasse isso o juiz da Lava Jato fez questão de ir à estreia do filme laudatório em que ele mesmo é personificado. Durante a representação Sérgio Moro foi fotografado satisfeito e sorrindo. Sorrir não é um defeito, fazer isto em público certamente não é proibido. Todavia, o sorriso do juiz ao se ver generosamente retratado no cinema num filme que esculhamba a imagem do réu que ele julgou réu é revelador. Além de aparentar ser um homem dominado pela vaidade, Sérgio Moro demonstrou ser incapaz de reconhecer a humanidade da pessoa que ele julgou e que fez questão de ver novamente julgada da mesma forma na tela grande. Se o filme retratasse Lula como vítima de uma injustiça o juiz também teria sorrido?
Justiça e injustiça, realidade e representação, foram misturadas por Sérgio Moro durante o julgamento da Lava Jato. Além de juiz e acusador, ele se transformou em jornalista, editor e em fonte de informações sigilosas da operação que conduziu. O filme que o fez sorrir não retrata nada disso. Muito pelo contrário, na película o papel do juiz e do réu foram concebidos de maneira fixa. Lula é o vilão, Sérgio Moro é o herói imaculado destinado a resgatar a moralidade num país que naufragava na corrupção.
A corrupção dos princípios constitucionais do Direito Penal durante a condução do processo de Lula – discutida exautivamente por diversos juristas no livro “Comentários a uma sentença anunciada” – foi sepultada pelo filme “Polícia Federal – a lei é para todos”. Ao ver o sepultamento de um debate que pretende evitar, o juiz da Lava Jato demonstrou satisfação. Além de não ter tido direito ao devido processo legal e a um julgamento isento, Lula não será visto como vítima pelos cinéfilos. Nesse sentido, o sorriso de Sérgio Moro pode muito bem ser interpretado como um indício de malícia.
A malícia (aptidão ou inclinação para fazer o mal; má índole; malignidade, maldade) é o oposto da isenção, da elevação e da pureza. O juiz não pode ser malicioso, nem pode ser visto como um homem malicioso, pois a malícia não combina com a justiça e com a distribuição dela.
Serápis é representado com um vaso de flores na cabeça. Ao rir maliciosamente durante a exibição do filme “Polícia Federal – a lei é para todos” o juiz pode ter colocado sobre a cabeça da Operação Lava Jato um caixão com a placa “Aqui foi enterrado o que restava da minha isenção”. Em suas palestras, Sérgio Moro sempre se esforça para demonstrar um grande domínio das questões técnico-jurídicas que dizem respeito à sua atividade como juiz criminal. O conhecimento que falta a ele é de outra natureza, mais humano, profundo e sutil… e não menos importante.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook