Em análise do mais recente depoimento de Lula a Sergio Moro, jornalista Kennedy Alencar aponta que o magistrado da Lava Jato se comportou como membro do MPF e assumiu o papel de acusador, em vez de se comportar com a imparcialidade que demanda a figura de um juiz
Kennedy Alencar, seu blog
O depoimento de ontem do ex-presidente Lula ao juiz Sergio Moro confirmou a expectativa de que seria mais duro do que aquele dado em 10 de maio, no processo do apartamento no Guarujá. No entanto, mais uma vez, Lula conseguiu executar a estratégia jurídica e política pretendida.
Não foi um depoimento no qual Moro deixou Lula sem saída, apesar de o juiz e o Ministério Público terem obtido um trunfo com a fala do ex-ministro Antonio Palocci Filho na semana passada. Ver todo o depoimento confirma essa impressão. Trechos que vieram a público tornam a cena mais desfavorável ao petista.
Lula deu um escorregão ao dizer que Palocci era simulador e frio, porque isso é contraditório com elogios anteriores do ex-presidente ao ex-ministro. Mas ontem mesmo, levando em conta todo o depoimento, nota-se que Lula faz diversos elogios a Palocci e questiona o motivo de o ex-ministro passar a acusá-lo. Afirma que Palocci busca benefícios de eventual acordo de colaboração, fazendo um paralelo com o que ocorreu nas delações da JBS e citando que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está hoje em situação difícil devido a mentiras e omissões de colaboradores.
Ao longo de pouco mais de duas horas, Moro questiona Lula durante cerca de uma hora e auxilia os dois representantes do Ministério Público que perguntaram. Fica evidente que Moro assume o papel que seria da acusação, que se mostra tímida perante o juiz e o ex-presidente.
Do ponto de vista jurídico, um dado importante foi o advogado de Lula, Cristiano Zanin, ter dito que cabe ao acusador o ônus de prova, lembrando que isso obedeceria a um processo constitucional ainda em vigor. Perguntas sobre o pagamento ou não de aluguel de um apartamento vizinho ao de Lula, usado pelo ex-presidente, dominaram o depoimento.
Quem conheceu Marisa Letícia, esposa do ex-presidente que morreu no início do ano, sabe que ela tinha autonomia para cuidar de tarefas da vida do casal. Marisa não era um bibelô de Lula. Logo, a questão do aluguel fica mais uma vez na palavra de acusadores contra a do acusado, semelhante à situação de Palocci.
Num lance puramente político, Lula pergunta ao final se poderia dizer aos filhos que era julgado por um juiz imparcial. Isso contraria Moro, que se sai bem e diz que sim. Lula sabe que será condenado por Moro. Ontem, o ex-presidente executou uma estratégia defensiva, à espera das cartas que Palocci poderá colocar na mesa se fechar delação premiada.
Também é prematuro considerar Lula acabado política e juridicamente, mas ficou evidente que está em situação mais difícil hoje do que estava em maio.
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