Imagens dos 'traficantes de Cristo' armados mandando os próprios povos de terreiros a destruir seus templos de matriz africanas são simbólicas e mostram uma perspectiva de higienização territorial dessa nova onda de evangélicos
As cenas de traficantes da região da Ilha do Governador, do Morro do Dendê, no Rio de Janeiro, que gravaram um vídeo mandando o povo de terreiro destruir seus próprios símbolos são para amedrontar.
Formam imagens e sons de uma apologética de medo patrocinada pela arma na mão. Sobre isso não se pode relativizar.
Mesmo com as muitas das muitas imagens e mais imagens de violências que chegam pelos noticiários, pelas mídias, a ação dos traficantes armados mandando os próprios povos de terreiros a destruir seus templos e apetrechos religiosos de matriz africanas são simbólicas e também mostram uma perspectiva de higienização territorial dessa nova onda de evangélicos.
Não basta destruir os espaços religiosos. Devem obrigar com os fuzis em riste os próprios membros das religiões afro que destruam seus símbolos, seu centro do mundo.
No ato se tem uma violência dobrada, quiçá triplicada: uma entre as muitas expressões do sadismo territorial-religioso que os fundamentalismos trajados na linguagem da batalha espiritual atualizam para o ambiente nervural das favelas.
Ora, mesmo com a confusão da quantidade de imagens e notícias penso que deve-se dizer que como cristão, de corte protestante evangélico, um ato como esse de violência extrema pouco tem a ver com o seguimento de Jesus.
Para isso lembro um pouco das Escrituras Sagradas: Jesus não era cristão. Ele era judeu! Logo, assim, para época, não construía uma religião “pura”, “sem-mancha”. Seu seguimento sempre dialogou com os demais ritos e culturas ao redor.
Ele sempre foi permeado e utilizou elementos de outras tradições religiosas, como, por exemplo: o rito inicial nas águas, orações soltarias, a escolha de pessoas para seguir sem moradias… Tudo isso. E, até, a própria noção de ressurreição não é originalmente do ambiente cristão.
Portanto, essa noção de pureza religiosa impregna essa territorialização evangélica das favelas do Rio, é uma expressão racista do Cristianismo. Ela que é uma noção que data do início do século XX no ambiente americano chamado de fundamentalismo religioso.
Assim, ao inverso desse seguimento, assumindo a diversidade que forma o Cristianismo e o ajuda a se desenvolver até os dias de hoje, reconhecemos que é vergonhoso assistir as cenas da destruição do local de culto afro pelos chamados “traficantes de Jesus”.
Pois, a aceitação do outro é uma prática que perpassa importantes textos das Escrituras Sagradas, e que se faz presente em toda história do Cristianismo.
Além disso, uma ação como essa vai contra a própria ação política dos protestantes evangélicos desde a formação do Brasil. Eles que sempre apoiaram a diversidade religiosa e de culto.
Apoiaram a diversidade porque no passado eram ainda mais uma minoria no País. Portanto, a garantia desse dispositivo legal seria uma forma estratégica para a continuação e até uma propagação das celebrações evangélicas.
Nesse sentido, é ainda mais alarmante a percepção de que existem pastores que incentivam tal territorialização da violência contra os povos de terreiro. Sim! Existem religiosos que vêm auxiliando os traficantes contra qualquer grupo ou ser humano de confissão diferente da dele, principalmente, dos ritos afro. Só para dizer.
Esse Cristianismo virulento, intolerante não representa a postura histórica dos protestantes evangélicos. Muito menos eles dão a tônica de todo setor. Dão essa impressão porque suas violências chamam atenção dos canais e mídias. O que não é por menos, claro.
Assim, marcando posição se diz que se é contra qualquer territorialização evangélica levada pelos “traficantes de Jesus” nas comunidades da Ilha do Governador, Rio de Janeiro.
Sua perspectiva de pureza religiosa violenta, racista só mancham mais de sangue das favelas do Rio. E, o que é menos importante (do que o ambiente de violências nas favelas) mancham ainda mais o desenho feito sobre o setor evangélico no País.
O que respinga no rosto do setor mais dialogal e aberto que está mais preocupado com teorias e leituras, sem se interessar em se sujar a mão na construção pedagógica de alternativas no dia-a-dia desse setor tão largo que cresce exponencialmente nas últimas décadas.
Fábio Py, Caros Amigos
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