Em bairro nobre de Miami, Jair Bolsonaro faz discurso nacionalista, mas, na prática, abraça o velho entreguismo
Almir Felitte, Justificando
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O slogan, estampado na capa de sua página pessoal no Facebook, sintetiza bem o tom adotado por Jair Bolsonaro em sua empreitada até o Palácio do Planalto. O pré-candidato à presidência do país tem apostado num discurso de forte moralismo e patriotismo exagerado para conquistar eleitores. Mas será que seu discurso se sustenta quando comparado a suas práticas políticas?
Não é segredo para ninguém que Bolsonaro tenta, a todo tempo, se colar à imagem de político nacionalista que coloca os interesses do país acima de tudo. Por isso mesmo, ele vem tentando se vincular a imagem de outros políticos como Enéas Carneiro e até mesmo Donald Trump, conhecidos pela postura ultranacionalista.
Na prática, porém, Bolsonaro recorre a velhas práticas entreguistas que colocam o Brasil na eterna posição de dependência externa e subordinação a potências mundiais.
Como faz com um dos pontos mais frequentes em seus discursos, o da exploração das riquezas naturais do país. Bolsonaro coloca como ponto central para a economia brasileira a exploração de minérios como o nióbio e o grafeno. Mas não esconde que gostaria que estes projetos fossem feitos em parceria com os EUA, como revelou em recente entrevista à Bloomberg americana.
Não contente em deixar claro que abriria caminho para os americanos mais uma vez explorarem nosso solo, Bolsonaro não apresenta qualquer projeto paralelo para criar uma indústria de transformação em cima dessa extração de minérios. Sem isso, o pré-candidato não parece se preocupar com a nossa eterna condição de exportadores de matéria-prima.
Bolsonaro parece estar mais preocupado, mesmo, em garantir os interesses americanos em solo brasileiro, como fizeram seus companheiros de farda quando, logo após o golpe militar de 64, entregaram o ferro do Vale do Paraopeba para a Hanna Minning Co. e o da Serra dos Carajás para a US Steel.
Além disso, essa relação entre Bolsonaro e o capital privado americano explicam também suas recorrentes demonstrações de preconceito contra indígenas e quilombolas. Não é raro o político do PSC colocar as demarcações de terras desses povos como um entrave ao desenvolvimento do país, já que parte delas se encontra em áreas de mineração.
Mas não é só o grafeno e o nióbio que Bolsonaro quer entregar aos estrangeiros. Em votação realizada na Câmara em 2016, ele votou pela aprovação de uma lei que abriu a possibilidade de empresas estrangeiras explorarem o petróleo do pré-sal. Seu voto deixa claro que suas dúvidas com relação à privatização da Petrobrás não passam de medo de adotar publicamente um posicionamento impopular privatista.
Tudo isso indica que Bolsonaro, se eleito, deve intensificar ainda mais a subordinação da política brasileira aos interesses norte-americanos. Por isso, ele mesmo já afirmou que sua política econômica consistiria em “se livrar das amarras do Mercosul” e, em um evento bizarro em Miami, onde ele prestou continência à bandeira americana, que Trump teria nele “um grande aliado no hemisfério sul”.
A cereja desse bolo de “lambeção” ao governo americano é, agora, a adoção do discurso anti-chinês explorado à exaustão por Trump nas eleições dos EUA.
Mas, analisando o trabalho parlamentar de Bolsonaro, deputado federal desde 1990, a postura de “vende-pátria” não é o único furo em seu discurso pseudonacionalista. A verdade é que o nacionalismo do deputado até pode ser interessante para um ou outro brasileiro, mas certamente ele não serve à toda nação.
Primeiramente, pelo óbvio motivo de que suas declarações preconceituosas, que sequer merecem ser repetidas aqui, demonstram que um possível governo seu não atenderia a demanda de brasileiros negros ou indígenas, muito menos de brasileiras mulheres. Não é de hoje que o deputado dá declarações públicas claramente machistas, racistas e homofóbicas, sempre, é claro, amparado covardemente pela imunidade parlamentar.
Segundo, por conta de seu discurso liberal, intensificado desde que as pesquisas começaram a aponta-lo com grandes chances. É o mesmo discurso que vem sendo duramente criticado em todo o mundo por ter criado um sistema de desigualdade de renda semelhante ao do início do século passado, baseado em uma farra de rentistas que brincam com o sistema financeiro mundial enquanto aguardam uma nova crise, quando serão mais uma vez salvos pelo dinheiro público.
Terceiro, porque Bolsonaro já demonstrou que, caso ganhe, não deve governar para a classe trabalhadora brasileira. O deputado já afirmou publicamente que o trabalhador teria que decidir entre “menos direito e emprego ou todos os direitos e desemprego”.
Na prática, ele votou a favor da amplamente criticada reforma trabalhista, além de se abster, por medo, na votação pela terceirização (mas seu filho acabou entregando a posição da família ao votar favoravelmente). O deputado não teve medo, porém, ao votar a favor do regime de urgência para que se concedesse um aumento salarial aos congressistas do país em 2010.
Aliás, é justamente sua prática parlamentar o que mais trai seu discurso.
Analisando o portal da Câmara, seus 10 últimos anos de atividade parlamentar não demonstram qualquer indício de que ele tenha um projeto nacional de desenvolvimento. Praticamente todos os seus projetos apresentados, incluindo emendas a MP’s, PEC’s e PL’s, fazem referência a temas como a expansão da autorização para porte de armas, interesses de militares em questões previdenciárias e “trabalhistas” e aumento de penas para crimes específicos.
Nem cabe aqui falar de como este modelo punitivista e armamentista tem sido rechaçado em praticamente todas as nações desenvolvidas do mundo.
Mas o que espanta mesmo é a falta de projetos envolvendo questões estruturais essenciais como a tributária, a agrária, a urbana, a regulatória, a orçamentária, a produtiva, a de infra-estrutura e a financeira. Nesses temas, Bolsonaro passou praticamente toda a sua atividade parlamentar se comportando como mero espectador.
Como deputado, ele preferiu gastar seu tempo com propostas estapafúrdias como o fim do exame da OAB ou com pedidos como o de esclarecimentos, em 2010, sobre a pesca na região de Angra, onde, dois anos depois, ele seria pego realizando pesca ilegal. Quando não fazia isso, buscava projetos que o lançassem à mídia, como o caso envolvendo a fosfoetalonamina ou a obrigatoriedade do uso de farol nas estradas.
No mais, dedicava a maior parte do seu tempo para atrapalhar projetos de Direitos Humanos, como quando tentou sustar a instituição de um Grupo de Trabalho que receberia denúncias de discriminação na internet. Ou, ainda, quando passou a tentar emplacar emendas que dificultassem o programa Mais Médicos e o combate à homofobia nas escolas.
Como presidente, tudo indica que Bolsonaro continuaria na condição de mero espectador dos temas estruturais, entregando toda essa pauta, de maneira totalmente acrítica, à elite privada. Essa postura ficou evidente quando, em entrevista à Folha, o deputado afirmou ser a favor da independência do Banco Central ao mesmo tempo em que criticou os subsídios à indústria nacional.
Parece absurdo que um candidato sem qualquer plano nacional apareça tão bem colocado nas pesquisas, mas o fenômeno é compreensível. Bolsonaro joga com o sentimento de ódio às esquerdas, historicamente cultivado no Brasil, além de saber utilizar do medo da população em um sistema de segurança pública tão falho.
Frases como “soldado meu que vai à guerra não se sentará no banco dos réus” e “eu vou dar carta branca pro policial matar”, infelizmente, garantem muitos votos em nosso país, embora não resolvam nossos reais problemas.
Apesar disso, não se pode dizer que a candidatura de Bolsonaro esteja consolidada. Boa parte de seu apoio é conquistado através de uma presença constante na internet, o que lhe rende bons resultados em pesquisas espontâneas.
Mas Bolsonaro sabe que, sem muito tempo na TV, dificilmente ele conseguirá se infiltrar em meios de massa como os trabalhadores de baixa renda. Por isso as pesquisas indicam que seu eleitorado seja preferencialmente de homens jovens, brancos, de classe média e ensino superior. A internet brasileira é superestimada e não tem o alcance que a bolha de classe média online imagina ter.
Sua candidatura não pode ser menosprezada, mas só se tornará uma ameaça verdadeira se Bolsonaro conseguir um partido que lhe garanta bom tempo na TV. Caso contrário, o mais provável é que 2018 (se as eleições acontecerem) repita o embate entre PT e PSDB, possivelmente entre Lula e Alckmin.
Até lá, cabe a esquerda construir um contraponto nacionalista de caráter progressista, para fazer frente à patriotada conservadora de Bolsonaro.
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*Almir Felitte é advogado, graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
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