Afinal, quem é o brasileiro que quer Lula preso? Uma questão de metodologia de amostragem da pesquisa Datafolha pode explicar o paradoxo da maioria dos brasileiros querer, ao mesmo tempo, Lula presidente e Lula preso
Sergio Saraiva, Concertos Gerais
O jornal Folha de São Paulo nas edições de 01 e 02 de outubro de 2017 trazia um paradoxo. A maioria dos brasileiros quer Lula presidente, a maioria dos brasileiros quer Lula preso.
A edição da Folha de São Paulo da segunda-feira – 02 de outubro de 2017 – parecia ter sido planejada para criar um anticlímax nas hostes petista. Logo após a edição do domingo anterior, quando noticiou que Lula ganharia as eleições de 2018 qualquer que fosse seu adversário – inclusive o juiz Sergio Moro, o jornal trazia a manchete: “maioria no país quer Lula preso”.
A manchete forçava um pouco a barra – uma maioria de 54% precisa ser relativizada quando uma “grande minoria” de 40% tem opinião contrária. Na verdade, a relativização estava lá – mas era preciso ler o texto.
A informação indiscutível – 89% da população querem a investigação de Michel Temer, o presidente de facto do Brasil, passou desapercebida.
Estava estabelecido o paradoxo. Apesar da impertinência da questão – a prisão de uma pessoa não é decidida em uma enquete de opinião pública – e da forma como foi apresentada, em manchete de jornal, pudesse, inclusive, ser considerada até uma forma de pressionar indevidamente o Judiciário.
Como era possível, ao mesmo tempo, o povo desejar Lula presidente e Lula preso?
Mas talvez não haja paradoxo algum.
Ocorre que, para entender isso, é preciso examinar o perfil da amostra das pesquisas da Datafolha. Foram realizadas duas pesquisas simultâneas: uma de intenção de voto – que virtualmente elegia Lula – e outra sobre “temas políticos” que trazia a questão: “considerando o que foi revelado pela Operação Lava-Jato e seus desdobramentos até o momento, na sua opinião, Lula deveria ou não ser preso?”.
Vejamos o perfil da amostra.
Quem é o brasileiro que quer Lula preso?
No que diz respeito às distribuições por gênero, idade e população por região do Brasil, a amostragem da pesquisa seguiu escrupulosamente o Censo IBGE de 2010.
Quanto à distribuição por renda familiar, é bem mais difícil de se comparar contra dados oficiais, mas parecia bastante coerente – a maioria 82% com renda até 5 salários mínimos – 47% até 2 salários mínimos.
Havia uma discrepância clara no que se referia à formação étnica da amostra – com menos brancos e mais pretos, indígenas e orientais – além outras denominações – do que identificado no Censo 2010. Era uma amostra que privilegiava as minorias em detrimento da representação dos brancos – perto de 48% pelo Censo IBGE de 2010 e 34% na pesquisa Datafolha. Em relação aos pardos, não havia distorção maior – eram a maioria com 42% na pesquisa e 43,4% no Censo 2010.
Porém, como os resultados não foram estratificados por etnia, não é possível determinar-se qual influência sua distribuição pode ter exercido. Talvez acabe sendo mesmo apenas uma curiosidade.
O brasileiro superior
O que chamava a atenção era a estratificação por grau de instrução. O perfil da amostra parecia inicialmente ser mais escolarizado do que seria de se esperar – 20% com curso superior, 46% com o nível médio e 34% com grau de ensino fundamental.
Em outras palavras, 66% da amostra possuía grau de instrução médio ou superior.
O “Portal Brasil em Síntese” do IBGE traz dados sobre o grau de instrução da população brasileira colhidos nas PNAD – pesquisa nacional por amostra de domicílios. Os dados, porém, são estratificados por anos de estudo e não por grau – fundamental, médio e superior.
É possível, no entanto, fazer-se uma aproximação.
Por ela, em extremo, a população com instrução de nível médio e superior ficaria em 44%.
O que não significa, de modo algum, que a pesquisa Datafolha contenha qualquer tipo de manipulação ou incorreção dos dados, deixemos claro. Como tem apenas três estratos – fundamental, médio e superior, a diferença com os dos do IBGE pode ter surgido da forma como o Datafolha alocou as respostas relativas a médio e superior incompletos.
Há ainda um estrato que está presente na pesquisa Datafolha e está ausente nos dados do IBGE Brasil em Síntese – a escolaridade da faixa da população entre 16 e 24 anos. Mas essa faixa, até pela pouca idade, não iria aumentar os índices de educação de nível médio e, principalmente, a de nível superior da amostra. Provavelmente ao contrário.
Mesmo assim, pode haver uma diferença de 22 pontos percentuais entre a amostra do Datafolha e o levantamento da PNAD 2015. E 22 pontos percentuais são uma diferença considerável.
Lula preso
Basta ver como responderam os mais instruídos?
69% dos que têm instrução superior e 61% dos que têm nível médio querem Lula preso. O índice cai para 37% entre dos de instrução fundamental.
A amostragem do Datafolha privilegiaria a opinião dos estratos mais educados da população, em detrimento dos de menor grau de instrução. Daí o Lula preso estar em maioria.
Lula presidente
E por que, aparentemente, a distorção na representatividade por grau de instrução não afeta a eleição de Lula?
Por vários fatores combinados:
1 – existe algo em torno de 30% de eleitores com nível de instrução médio e superior que votam em Lula e, por óbvio, não o querem preso.
2 – os votos dos eleitores de instrução de nível médio e superior que não votam em Lula, e que por consequência o quereriam preso, se dividem entre os seus adversários, enquanto os votos dos de instrução fundamental se concentram em Lula.
3 – os eleitores de nível superior demostram um alto grau de rejeição a todos os candidatos – 24% votariam branco ou nulo – mas isso não leva a uma mudança de opinião quanto continuarem querendo que Lula seja preso.
Não há paradoxo algum
Conclusão, caso o estrato da população com grau de instrução fundamental esteja realente subrepresentado na pesquisa Datafolha, a afirmação de que “maioria no país quer Lula preso” poderia não ser tão majoritária assim.
A opinião pública continuaria dividida, de uma forma ou de outra, mas com uma maior representação do estrato menos instruído, mais próxima da do IBGE, talvez a maioria se invertesse a favor da não prisão de Lula.
O que seria coerente com a eleição de um presidente com alto índice de rejeição, mas enfrentado adversários igualmente tão ou mais rejeitados. Uma eleição que teria também altos índices de votos brancos e nulos. Como, aliás, a pesquisa Datafolha de intenção de votos mostra.
Por fim, parafraseando Joãozinho Trinta: parece que quem quer Lula preso é intelectual, o povo quer mesmo é Lula presidente.
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