Arte

“Uma criança talvez não seja capaz de distinguir um corpo nu em diferentes contextos.”

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Primeiro, a polêmica em torno da performance no MAM-SP não se divide entre esquerda e direita. Segundo, embora a exposição não incite erotização ou a pornografia, uma criança talvez não seja capaz de distinguir um corpo nu em diferentes contextos

Dany Santos*, em seu blog

Para começo de conversa, o debate sobre a performance “La bête”, de Wagner Schwartz no MAM-SP, que ficou acalorado nos últimos dias não se divide entre esquerda e direita. A exposição, inspirada na obra “Bichos”, de Lygia Clark, não incita a erotização ou a pornografia. A proposta seria desprender essa capacidade do corpo nu e dessexualizado dos nosso olhar ainda coberto pela fumaça da erotização. O objetivo é naturalizar esse corpo-vivo-natural-animal. Esse corpo que, culturalmente, passou a ser erotizado e sensualizado em qualquer contexto, desde uma mãe amamentando um filho até uma mulher de biquíni na praia. É urgente a naturalização desse corpo-animal e a supressão desse momento perigoso em que todos os corpos em qualquer contexto são erotizados.

No entanto, apesar de concordar que a exposição traz à luz uma proposta que precisa ser discutida pela sociedade (e é essa uma das funções da arte), não posso pactuar com os meus colegas mais progressistas em relação ao manuseio desse corpo nu por uma criança, mesmo naquele contexto: dentro de um museu e acompanhada pela mãe. Minha intenção não é demonizar os artistas e a exposição. Quero aqui dizer que uma criança talvez não seja capaz de distinguir um corpo nu em diferentes contextos. Na nossa cultura, temos um dado bastante alarmante: todos os dias, 20 crianças são vítimas de abuso sexual. Uma criança saberia diferenciar esses corpos nus em diferentes esferas e contextos? A educação sexual é necessária e é pra ontem! Exatamente para proteger nossas crianças. Porém, enquanto ainda tivermos essas estatísticas de abuso infantil, acredito que essa exposição não seja a melhor forma de educar. Sim, é arte. Não, não concordo com a censura. Não, não é conteúdo infantil.

Quero deixar claro que tenho pavor das ideias do MBL, do Bolsonaro e companhia, mas eu penso por mim. Minhas opiniões não precisam estar necessariamente encaixadas com um grupo. Se para participar de um movimento progressista, libertador e revolucionário, eu preciso pensar igual a todo mundo, eu não quero estar nele. Estou fora. Estou só. Porque eu entendo que, apesar de termos ideais bastante parecidos, cada um tem uma vivência, uma bagagem e um saber que refletem diretamente em suas ações e reflexões. Quero ser livre para pensar de acordo com a minha própria bagagem.

Quero a arte livre, sem censura, mas adequada ao público e, quando se trata de crianças, o cuidado deve ser redobrado. Luto por corpos naturalizados como propôs Wagner Schwartz e Lygia Clark. Quero ver seios de fora amamentando as crias sem serem erotizados. Quero ver meninas usando a roupa que quiserem sem que seus corpos sejam sexualizados. Mas quero, além de tudo, uma leitura cuidadosa sobre como estamos lidando com essa educação sexual na infância. Será que essa criança vai ler um pênis de fora dentro de um museu numa exposição da mesma forma que um pênis de fora num ônibus se masturbando? Tem essa criança a maturidade, a vivência e o traquejo para singularizar cada situação? Não sabemos. Se não sabemos, nosso dever é protegê-las até que elas tenham discernimento para encarar as diversas possibilidades desses corpos nus.

Que a arte nunca seja censurada.

Que nossas crianças tenham acesso à arte adequada para elas.

*Dany Santos é mãe, feminista e formada em Letras pela UFF

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