Condenado por improbidade administrativa e fã do juiz Sergio Moro, líder do grupo separatista 'O Sul É Meu País' é a cara de seu “movimento”. Plebiscito sobre 'independência' será votado neste sábado
O movimento O Sul é o Meu País realiza no próximo dia 7 um plebiscito não oficial com o objetivo de separar a região do Brasil. A repercussão internacional não vem sendo exatamente ampla. Na mídia brasileira, o assunto vem sendo notícia, mas suas contradições não são lá muito observadas, como o discurso moralista e ao mesmo tempo condenações de corrupção contra membros de seu conselho consultivo.
Internacionalmente, quem falou do Plebisul nos últimos dias foi o RT, site de notícias russo RT que tem correspondentes internacionais em Buenos Aires. Em meio aos referendos independentistas da Catalunha (Espanha) e do Curdistão (Iraque), o portal questionou se não se trata de uma “epidemia”.
O momento parece oportuno para o movimento sulista, que publicou notas de apoio aos povos catalão e curdo. Mas, tirando a proposta de separação, O Sul é o Meu País não tem praticamente nada a ver com os outros movimentos separatistas que diz apoiar.
De modo geral, por uma razão muito simples. O sul não é uma Nação, isto é, não se trata de povo essencialmente diferente do restante do país. Sua língua é a mesma que no restante do país. Salvo a ênfase que cada região tem, o que se ensina nas escolas é o mesmo.
Em essência, sua história é semelhante, assim como a composição de seu povo. Alguém poderia dizer que o sul é mais branco, mais europeu. É verdade. Mas sua população é caracterizada pela mestiçagem, marca do povo brasileiro.
Não se trata de um lugar onde só há descendentes de alemães. Ou só italianos. Poloneses. Ucranianos. Japoneses. Ou onde só há negros ou índios. O grosso da população é uma mistura de povos.
E foi assim por uma decisão política do governo brasileiro, pela vinda de imigrantes, que também foram para outras regiões, como o estado de São Paulo, porém tinham a “função”, na concepção das políticas do século XIX e XX, de resguardar o território nacional, protegendo-o por exemplo da Cisplatina. E também a “função” de embranquecer a população, numa visão racista que perpassava praticamente todo o território do país.
Antes um país de províncias e hoje com uma identidade nacional coesa, fica difícil para movimento O Sul é o Meu País conseguir se desvencilhar desse processo. Nem da denominação proposta pelo movimento a identidade brasileira some, povo “sul-brasileiro”.
Tampouco consegue se desvencilhar no futebol. Segundo uma pesquisa divulgada em 2013, mais da metade do povo no sul ou não torce para nenhum time ou prefere um clube do sudeste. Quando tem Copa do Mundo, é para o Brasil que paranaenses, catarinenses e gaúchos torcem. Com Olimpíada, nada muda.
Itaipu, que é uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo, fornece energia não só para o Sul, mas também para o Sudeste e o Centro-Oeste. Um projeto binacional, entre Brasil e Paraguai, construído com investimentos de ambos os povos, passaria para as mãos de uns poucos?
No Rio Grande do Sul, onde há uma música muito tradicional, também tem Carnaval, assim como em Santa Catarina e no Paraná. Trata-se de uma política cultural exportada do Rio de Janeiro por um político gaúcho, Getúlio Vargas, visando a criação de uma identidade nacional.
Diferente dos povos catalão e curdo, nem o tempo de existência do povo do sul difere tanto do restante do país.
Um dos argumentos da Catalunha é que a região é vítima das políticas econômicas erráticas do Estado espanhol, argumento repetido no Brasil por seu movimento sulista. Só que a última coisa que a região pode dizer é que é excluída do orçamento nacional.
A situação da população sulista difere em muito da dos curdos. Não há perseguição do Estado. Não é um povo apátrida. E de longe vive na miséria. Como no restante do país, a desigualdade social é grande, há favelas, mas tem estados (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) que estão entre os maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.
A impressão que dá é que não se quer a separação porque o sul viva uma situação ruim ou dramática. Mas pelo contrário.
Talvez não seja o caso dos organizadores do referendo simbólico. Contudo, em meio às eleições de 2014 ficou nítido o preconceito que existe na região em relação às regiões norte e nordeste.
É que supostamente o sul é um povo mais consciente politicamente e, por isso, votou majoritariamente em Aécio Neves (PSDB). E as regiões norte e nordeste, “atrasadas e ignorantes”, preferiram em geral Dilma Rousseff (PT).
Votou em Aécio, que se juntou a Temer, que subiu ao poder graças em muito às manifestações pela derrubada de Dilma, manifestações amplamente apoiadas pelo sul.
Ao contrário do que diz O Sul é o Meu País, Brasília não faz tudo sozinha. Se hoje o país se converteu num desastre, todas as regiões deram sua contribuição. Todas tiveram gente apoiando o golpe, apoiando a volta da Ditadura, apoiando o nazismo…
O movimento O Sul é o Meu País vai na contramão do mundo. Se um dia a utopia internacional era levar o planeta à união, à globalização, a proposta de independência sulista pega carona – isso sim – não na “epidemia independentista”, mas na onda precipitada que decidiu tirar o Reino Unido da União Europeia.
Fundado durante um congresso em 1992, na cidade de Laguna (SC), também pegou carona na negação das políticas de distribuição de renda, nas políticas afirmativas. Entrou na onda da negação da política, atribuindo-lhe a concepção.
Curioso é que em seu Conselho Consultivo, pelo menos duas pessoas foram condenadas por improbidade administrativa:
“Os réus Adilcio Cadorin e Celso Dorvalino Deucher, de forma solidária, ao ressarcimento integral do dano patrimonial causado ao erário do Município de Laguna, consistentes nos valores pagos pela publicidade e divulgação da logomarca pessoal do ex-prefeito Adilcio em todos os impressos oficiais, uniformes escolares, de serviço, da zona azul, veículos e portas de prédios públicos, bem como pela remuneração percebida pelo réu Celso Dorvalino, tudo no valor de R$ 14.762,50”.
Filiado ao DEM e um dos fundadores do movimento separatista, Adilcio também foi denunciado em 2009 pelo Ministério Público de Santa Catarina pelo desvio de recursos FEDERAIS. A acusação, junto a alguns funcionários e seus familiares na prefeitura, foi de formação de quadrilha, falsidade ideológica e uso de documento falso.
No ano passado, ele foi condenado por fraude em licitação na época em que estava à frente da prefeitura de Laguna, tendo de ressarcir os cofres públicos em mais de R$ 400 mil, junto a outros condenados.
Adilcio continuou a política no Facebook (teria se inspirado no Twitter de Trump?). Na rede social, pregou o antipetismo, apoio o impeachment de Dilma Rousseff, compartilhou piada machista e pediu apoio num abaixo-assinado contra uma eventual punição ao juiz Sérgio Moro quando o magistrado vazou conversas de Dilma Rousseff (então presidente da República) com Lula, sem autorização do Supremo Tribunal Federal, o que não é permitido pela lei.
Em sua defesa, escreveu: “Juiz Moro está resgatando a minha já perdida esperança de que o Brasil poderá ser uma verdadeira república”. Esperança numa verdadeira república brasileira?
Talvez seja hora de o Sul é o Meu País renovar seu discurso. O plebiscito, o grupo afirma não ter validade legal. E moral?
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