Recibos de aluguel forjados? Narrativa apresentada por Glaucos contém inúmeras lacunas que a grande mídia não tem interesse nenhum em explorar. A ansiedade do “laranja” para obter benefícios da Lava Jato só não é tão gritante quanto o desespero de um senador que viu a casa cair depois de parar na prisão
Cíntia Alves, Jornal GGN
Defendido pelo mesmo advogado de Paulo Roberto Costa, Glaucos da Costamarques virou alvo dos holofotes da mídia desde que disse ao juiz Sergio Moro que nunca recebeu os valores correspondentes a um imóvel alugado à família de Lula, em São Bernardo do Campo. A história, cheia de lacunas, já começava com uma cobertura enviesada por aí: os jornalões abafaram o fato de que Glaucos, meses antes do encontro com Moro, havia dito o contrário à Polícia Federal.
Na última sexta-feira (29), Glaucos virou notícia de novo. Desta vez, apresentando uma petição em que afirma que parte dos recibos apresentados pela defesa do ex-presidente para comprovar os pagamentos do aluguel de 2011 a 2015 foram assinados por ele numa tacada só.
Aqui, outro erro factual cometido por parte da grande mídia: jornais como O Globo e Valor chegaram a alardear a versão de que todos os recibos haviam sido forjados em apenas um dia.
Segundo a petição [em anexo], a narrativa é outra: entre 7/12/3015 e 29/12/2015, o contador João M. Leite teria visitado Glaucos no hospital Sírio Libanês para recolher os recibos “referentes ao ano de 2015”, apenas. Na sanha de colocar em xeque as provas apresentadas por Lula, os jornais esqueceram de perguntar a Glaucos como ele explica os recibos de 2011 a 2014.
Todos contra Lula
É inegável que a história dos recibos desagradou os entusiastas da segunda condenação de Lula por Moro. Prova disso é que, tão logo os comprovantes vieram à tona, a GloboNews escalou Gerson Camarotti e Cristiane Lobo para martelar duas ideias: primeiro, que Lula, de novo, responsabiliza Marisa por todos os problemas, já que ela assinou o contrato de aluguel; segundo, que o petista precisa apresentar “mais do que os recibos” para provar sua inocência. Invertendo a lógica do ônus da prova, os jornalistas exigem do réu “o caminho do dinheiro” – como se o “follow the money” fosse algo muito exercitado em Curitiba.
Nenhuma linha expressa com o mesmo alarde o modo como Glaucos, agora na condição de réu e delator informal de Lula, gosta de dizer e desdizer coisas às autoridades e de fazer silêncio para, depois, surgir com histórias impactantes – como aquelas apresentadas por Delcídio do Amaral.
Para que não se esqueça: usados para derrubar Dilma Rousseff e abrir novos inquéritos contra Lula, os depoimentos do senador cassado foram desacreditados, mais de um ano depois, pelo procurador Ivan Cláudio Marx. O membro do Ministério Público Federal disse que a delação jamais deveria ter sido aceita, pois não passou de um falatório sem provas
O problema é que as inconsistências, lacunas e mudanças ao sabor da crise, que eram identificadas nos relatos de Delcídio por qualquer leigo, também sondam as falas de Glaucos. A ansiedade do “laranja” para obter benefícios da Lava Jato só não é tão gritante quanto o desespero de um senador que viu a casa cair depois de parar na prisão.
Tal como se deu com Delcídio, não há o menor interesse da grande mídia em colocar Glaucos na posição de quem construiu uma narrativa que só gera mais perguntas a cada dia que passa. Ao contrário disso: o que o réu diz contra Lula tem sido tomado como verdade absoluta, mesmo que as provas apresentadas digam o contrário.
Isso fica claro na entrevista que o Estadão publicou imediatamente após a apresentação dos recibos. No dia 27, por “orientação do advogado”, Glaucos se recusou a comentar se reconhecia ou não a legitimidade dos comprovantes com sua assinatura: “Nada a declarar, viu? Não vou falar nada, tá bom? Meu advogado que vai resolver”, disse ao jornal.
A manchete daquela matéria poderia ter sido: “Dono de imóvel alugado a Lula se nega a explicar recibos”. Não foi nada perto disso. O Estadão decretou: “É a verdade!” (que Lula não pagava aluguel), supervalorizando o depoimento contrariado por documentos.
Um dia após ter optado pelo silêncio, a defesa de Glaucos é citada em reportagem do Valor, na quinta (28), sobre a estratégia agora ser a de pedir o registro do encontro entre o “laranja” e o advogado Roberto Teixeira no hospital Sírio Libanês. Porque só agora Glaucos afirma que no mesmo dia em que Teixeira foi ao hospital dizer que o aluguel passaria a ser pago a partir de então, também teria ocorrido o pedido de assinatura dos recibos de meses passados.
O Valor escreveu que os recibos diziam respeito aos 4 anos de locação do apartamento. Mas, na petição a Moro, Glaucos disse que eram “referentes ao ano de 2015” apenas.
Convenhamos: fraudar um recibo não é um pedido facilmente deletável da memória. Mas, surpreendentemente, Glaucos esqueceu de contar esse pequeno detalhe no depoimento a Sergio Moro. A versão só surgiu após ele ter sido surpreendido pela defesa de Lula com os documentos.
Receita Federal
Outro fator minimizado pela velha mídia, Glaucos disse diante de Moro, para incrementar sua narrativa, que desde 2011 vem fraudando a Receita Federal, declarando no imposto de renda os valores de 4 anos de aluguel que agora diz que nunca recebeu.
Fica assim: meu inquilino não paga o aluguel e eu decido fraudar a minha declaração à Receita ano após ano. Faz sentido no contexto em que as declarações de imposto de renda serviriam de arma para a defesa de Lula.
Na petição a Moro, Glaucos não detalha como fez a operação, mas diz que fraudou a Receita por orientação de seu primo, José Carlos Bumlai.
No domingo (1/10), a Folha publicou uma matéria em cima de dados vazados de uma análise da Lava Jato sobre documentos da Receita. A matéria tinha o intuito de dizer que Glaucos, de fato, era um “laranja”, pois não tinha recursos suficientes para comprar o imóvel oferecido pela Odebrecht ao Instituto Lula.
A reportagem deixa lacunas abertas para quem acompanhou alguns depoimentos do processo:
1- O tal laranja não precisava nem de análise da Receita. Ele já havia dito a Moro que não tinha dinheiro para comprar o imóvel de mais de R$ 6 milhões pro Instituto Lula. Mas “tinha onde arrumar”. Não tem novidade nessa matéria.
2- Já sobre a história do aluguel que Lula supostamente nunca pagou, não tem uma linha sobre o que diz a Receita.
Procurada, a assessoria da defesa de Glaucos informou, na semana passada, que ainda não tem um “posicionamento oficial” sobre os recibos.
O GGN questionou por que Glaucos não contou a Moro a história de que assinou os recibos em um dia só e se ele guarda cópias do que assinou. Até o fechamento desta reportagem, não houve retorno. O espaço está aberto.
Segundo a defesa de Lula, complica a situação de Glaucos o depoimento do contador, esclarecendo “que recebia das mãos do proprietário do imóvel, periodicamente, os recibos de aluguéis de 2011 a 2015”. Em nota, Cristiano Zanin escreveu que “não há qualquer dúvida de que eles foram assinados pelo proprietário e em diferentes períodos e, portanto, são documentos idôneos“.
Abaixo, o vídeo em que Glaucos fala a Moro sobre o aluguel nunca pago. É a partir dos 7 minutos.
O vazamento da planilha
Em meio à guerra dos recibos, foi vazado à imprensa uma planilha apreendida pela Polícia Federal na casa de Lula que se chama “Contas Mensais 2º Sem. 2011“.
No documento, constam pagamentos do condomínio, luz e IPTU do apartamento alugado à família do ex-presidente por Glaucos. Não o valor de aluguel, cerca de R$ 3,5 mil, não aparece na tabela.
Segundo o Estadão, a PF encontrou o material no mesmo baú onde estavam os 26 recibos encontrados recentemente pela defesa de Lula. Mas nenhum deles havia sido anexado aos autos do processo contra o ex-presidente em Curitiba. Foi necessário a solicitação do juiz para que eles fossem apresentados.
Para Zanin, “além de não ser possível relacionar um documento[apócrifo] sem qualquer assinatura com D. Marisa, ele nada prova. Não se pode presumir, até porque o próprio documento não permite, que ele contenha uma relação exaustiva de pagamentos feitos por D. Marisa em 2011, que podem ser feitos de diversas formas de acordo com a lei.”
Autos n°. 5063130-17.2016.404.7000
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