“Como foi possível pessoas normais, como nós na rotina diária, agirem desumanamente, sem nenhuma limitação da consciência?”. Estudado por profissionais da psicologia até hoje e responsável por provocar reações desconcertantes, experimento de Milgram pode ser conhecido com detalhes no filme 'O Experimento de Milgram'
Em 1962, 40 homens entre 20 e 50 anos participaram voluntariamente de uma pesquisa na Universidade de Yale, nos EUA, sobre a punição como método de aprendizagem. Em duplas, um dos participantes atuava como “professor“, enquanto o outro fazia o papel de “aluno“. Cada vez que o “aluno” errasse um exercício de memorização, o “professor” deveria lhe aplicar choques, que começavam em 15 volts e iam progressivamente a 450 volts.
Na medida em que os choques eram aplicados, o “aluno” gritava de dor, pedia para sair do experimento ou se silenciava. Porém, os “professores” invariavelmente eram ordenados a seguir com a pesquisa.
Apenas uma pequena porcentagem interrompeu o experimento e deixou a sala. A grande maioria – 65% – continuou e chegou ao choque máximo, para surpresa do cientista político Stanley Milgram (1933-1984), que mais tarde se tornaria doutor em Psicologia Social. Ele buscava identificar a desistência dos “professores” como resposta recorrente, mas testemunhou uma relação de obediência a qualquer custo. Nenhum voluntário foi até o “aluno” verificar se ele estava bem.
Estudada por profissionais da psicologia até hoje e responsável por provocar reações desconcertantes cada vez que é apresentada, a pesquisa de Milgram pode ser conhecida com detalhes no filme O Experimento de Milgram (2015), disponível na Netflix. Com linguagem inventiva e atuações generosas de Peter Sarsgaard e Winona Ryder, a obra está mais interessada em promover uma reflexão acessível do que optar pelo sensacionalismo que os resultados da experiência poderiam suscitar. A narrativa em si é bastante leve; pesadas são as constatações. Diante da dor do outro e tendo a chance de interromper uma tortura, presume-se que os seres humanos recorram à empatia e à misericórdia, mas não foi isso que Milgram observou.
“Uma das contribuições básicas do Milgram é que ele não pergunta às pessoas o que elas fariam dada essa situação hipotética; ele as coloca na situação“, explica o voluntário Herbert Winer, um dos “professores“, no documentário The Human Behavior Experiments. Após o término da experiência, Milgram se apresentava aos voluntários e revelava o propósito real da pesquisa. O “aluno“, que na verdade era um cúmplice do pesquisador, jamais levara choques. O único castigo aplicado de fato era no “professor“, de 45 volts, para que ele tivesse ideia da intensidade da dor que infligiria no “aluno“. O estudioso das relações humanas diversificou os testes, aplicando-o em mulheres, em outros países e inserindo pequenas mudanças no setting. Porém, a média de 65% dos participantes prosseguirem até o choque máximo sempre se manteve.
Nascido do Bronx e vindo de uma família judaica que fugiu dos horrores do nazismo, Milgram estava interessado nos aspectos mais obscuros da obediência. Pouco antes de seu experimento, em abril de 1961, Adolf Eichmann, responsável pela perseguição, sequestro e deportação de centenas de milhares de judeus para campos de concentração, foi levado a julgamento. Encontrado na Argentina, o ex-chefe da Seção de Assuntos Judeus no Departamento de Segurança de Hitler afirmou que estava apenas cumprindo ordens e que nunca tinha se preocupado em questioná-las. Ele foi condenado à morte e morreu no ano seguinte.
Como lembra reportagem da Deutsche Welle, “o mundo esperava ver um monstro, um antissemita brutal, um nazista fanático. O réu, por sua vez, passou a imagem de um burocrata que teria apenas assinado documentos.” Os peritos atestaram que Eichmann era um subalterno de pouca iniciativa própria e sem senso de responsabilidade.
“Pergunto-me como foi possível pessoas normais, como nós na rotina diária, agirem insensivelmente, desumanamente, sem nenhuma limitação da consciência. Há alguns estudos na psicologia social que parecem dar uma dica a esta pergunta. O problema que quis estudar era um pouco diferente, foi um pouco além, sobre a autoridade. Em que condições alguém obedece a autoridade de quem comanda atos contra a consciência?“, questiona Milgram em um filme realizado para documentar a pesquisa.
Divulgado pela primeira vez em 1963, em um artigo científico, o experimento gerou críticas severas de colegas psicólogos com o passar dos anos. Segundo eles, os participantes foram submetidos a condições conflitantes estressantes durante o teste. Mas questionários preenchidos pelos voluntários após a experiência e grupos de discussão com “professores” mostraram que os resultados, apesar de assustadores, não tinham sido colhidos sem ética. Mais tarde, a pesquisa foi apresentada com mais profundidade no livro Obediência à Autoridade, de 1974.
As descobertas de Milgram se atualizam especialmente perante situações em que as frases “estou apenas cumprindo ordens” e “não me responsabilizo pelas consequências” indicam a validação de comportamentos abusivos, violentos ou opressores. Quando semelhantes, e não monstros, demonstram ser capazes de realizar atos tão absurdos, intenções e idealizações caem por terra. A obediência à autoridade, e também o silêncio, como mostrou o terrível Holocausto Brasileiro de nossa história recente, são capazes de ensejar decisões atrozes. O experimento de Milgram reacende nossa possibilidade necessária de questionar ordens, especialmente aquelas que transgridem valores particulares.
Amanda Mont’Alvão Veloso, HuffPost
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