Justiça

Reinaldo Azevedo e Veja perdem ação contra Laerte e recebem lição de advogada

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Reinaldo Azevedo, Veja e Jovem Pan são condenados a indenizar Laerte Coutinho em R$ 100 mil. Na defesa da cartunista, trabalhou a advogada transexual Márcia Rocha. Histórica, sua sustentação é uma lição e foi disponibilizada nas redes sociais

(Imagem: Reinaldo Azevedo, Laerte Coutinho e a advogada transexual Márcia Rocha)

Conjur

Por desbordar da crítica objetiva ao seu trabalho, o jornalista Reinaldo Azevedo, a revista Veja e a rádio Jovem Pan deverão indenizar a cartunista Laerte Coutinho em R$ 100 mil. A decisão, que confirma entendimento da primeira instância, foi tomada pela 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo em julgamento de apelação nesta terça-feira (24/10).

Por unanimidade, os desembargadores entenderam que as críticas do jornalista apresentadas tanto na sua coluna na Veja quanto em sua fala na Jovem Pan ofenderam a honra da cartunista, transexual assumida.

A decisão de primeiro grau foi tomada pelo juiz Sang Duk Kim, da 7ª Vara Cível de São Paulo, para quem houve evidente excesso de Azevedo ao chamar Laerte de “fraude moral”, “baranga moral”, “fraude de gênero” e “fraude lógica”.

No recurso de apelação de Azevedo, os advogados afirmaram preliminarmente que faltaria interesse de agir da autora, já que, após as críticas recebidas, teria divulgado o artigo do réu e, além disso, feito referências jocosas ao ocorrido. Sustentaram ainda que Laerte sempre veiculou charges a respeito de sua intimidade, com críticas políticas a heterossexuais, tendo se envolvido, inclusive, em episódios polêmicos, quando pretendia utilizar o banheiro feminino.

Também criticaram a charge que deu origem ao processo, feita por Laerte para o jornal Folha de S.Paulo, que “comparava manifestantes a favor do impeachment a criminosos responsáveis por chacina na cidade”. Alternativamente, pediram a redução do valor da condenação. Alegaram também que a sentença deixou de considerar o contexto político à época das publicações, que retrataram apenas o conflito ideológico existente.

Relator do recurso, o desembargador Carlos Alberto Garbi não concordou com os argumentos dos apelantes e disse que os comentários extrapolaram o objeto da crítica. “Se a charge veiculada tinha conteúdo forte, que suscitava críticas, de acordo com o perfil rotineiramente sustentado pela autora, a crítica feita pelo réu deveria se voltar exclusivamente para a charge, e não para a pessoa da cartunista, como ocorreu.”

“Vê-se que a crítica se voltou à pessoa de Laerte, como transgênero, e não à charge, o que, evidentemente, confirmou o ato ilícito cometido. A crítica foi, portanto, pessoal e representou ofensa à honra”, concluiu Garbi. Ele diz que o exercício da plena liberdade de imprensa, previsto na Constituição, não pode violar direitos fundamentais igualmente estabelecidos na Constituição.

O desembargador ainda justificou o valor da indenização, que entendeu proporcional ao dano causado com a divulgação em dois conhecidos veículos do país. “O valor da reparação (R$ 100.000,00) arbitrado na sentença guarda relação com a ofensa cometida e também com a significativa repercussão que o artigo do réu recebeu, veiculado que foi em dois canais de significativa audiência Rádio Jovem Pan e Revista Veja. Não se justifica, assim, o pedido de redução da indenização”, afirmou. Ele foi acompanhado pelos colegas João Saletti e J.B. Paula Lima.

Sustentação histórica

Na defesa da cartunista Laerte, trabalhou a advogada transexual Márcia Rocha. É a primeira vez na história do TJ-SP que os desembargadores escutam a sustentação de um advogado transexual. Márcia também é a primeira advogada do país que teve seu nome social alterado na inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.

Em seu Facebook, Márcia Rocha disponibilizou a sua fala na defesa de Laerte. Confira abaixo:

Gostaria de saudar os Senhores Desembargadores, demais presentes e ilustres colegas e ressaltar a importância histórica deste momento em que, pela primeira vez uma pessoa assumidamente travesti, vem ao Tribunal fazer uma Sustentação Oral com o uso de seu nome social, conforme concedido pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2016:

Passando à minha fala propriamente dita, eu gostaria de dizer que vivemos tempos funestos! Por todo o mundo, pessoas que não concordam com o modo de vida, com a expressão ou a religião de um outro, metralha, esfaqueia, atropela, explode pessoas inocentes.

Não se trata, absolutamente, de matéria jornalística no caso específico. No Brasil, somente este ano – números obtidos ontem – Somente este ano, cento e cinquenta pessoas trans foram assassinadas. Somente neste ano!

No Brasil, pessoas trans são privadas de seus direitos cotidianamente. Nas escolas, sofrendo bulling, sofrendo violências muitas vezes dos próprios professores, em suas próprias famílias, têm o seu direito de ir e vir ameaçado por violências, pelo medo de andar na rua, bastando expor-se para estar sujeito a toda sorte de violências; temos nosso direito à expressão em nossos próprios corpos recusado muitas vezes; O nome, um nome condizente com nossa imagem recusado, muitas vezes, sendo necessário recorrer à justiça para ter um nome condizente com a nossa imagem; Ou seja, enfim, nossa dignidade é ameaçada todo o tempo.

E por quê? Em razão de valores que permeiam o senso comum, que entendem que somos seres de outra categoria, de segunda ou terceira categoria.

No caso específico, tenta a defesa do réu, ora apelante, por todo o processo, justificar suas violências, alegando que Laerte Coutinho é Laerte Coutinho. Que tem suas características, suas ideologias, suas expressões, sua maneira de se vestir… como se ser quem é, cujo direito é defendido pela Constituição, justificasse a violência!!

Termos como: Baranga moral, fraude de gênero, baranga na vida, homem-mulher, falsa senhora, fraude moral, ser asqueroso, e exibicionista doentio, não são meras discussões entre colegas. Não são do interesse público de uma matéria jornalística.

Tenta ainda, o apelante, alegar que por Laerte ser uma figura pública, estaria justificada (ou) estariam justificadas críticas – abre aspas, críticas, fecha aspas – a serem dirigidas à sua pessoa.

Entretanto, excelências, imaginemos um caso de um Tribunal proferindo uma sentença, e alguém descontente, for atacar publicamente a calvície, o gênero, a cor da pele, a obesidade, a idade… dos membros daquele tribunal. Data máxima vênia, isso seria absurdo, e teratológico!

E ainda, para finalizar, o réu/apelante, imediatamente após a sentença de primeira instância, foi nas mesmas mídias, ora corréus, e reiterou todas as suas afirmações! Mencionando que os advogados haviam publicado a vitória de primeira instância, então ele se achava no direito de reiterar todas as ofensas que ora mencionei. Um verdadeiro escárnio à justiça!

Portanto, eu agora representando não apenas a autora mas toda uma categoria humana, evoco aqui a Deusa Temis, à Deusa Temis para que vendada, sopese em sua balança as questões ora expostas, e erga sua espada na defesa daqueles por quem ninguém mais o fará!

Muito obrigada.

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